Meteram a mão na Caixa

A direita quer fazer da Caixa um saco de pancada porque é o banco público, mas sabemos bem que o problema não é da árvore, é da floresta.

“Se tu deves ao banco 100 euros, esse é um problema teu. Se tu deves ao banco 100 milhões de euros, esse é um problema do banco”. Esta é uma frase famosa do avarento milionário Paul Getty, cuja vida particular deu origem ao último filme de Ridley Scott, Todo o Dinheiro do Mundo.

A crise financeira de 2007/2008 mostrou como Getty tinha razão, mas acrescentou uma reviravolta final muito amarga: os problemas dos bancos transformaram-se em problemas para as pessoas e a fatura da festa de alguns acabou por ser a dividir por todos.

O relatório da auditoria à Caixa Geral de Depósitos recentemente divulgado mostra um cruel exemplo da realidade da gestão bancária em Portugal. Buracos nas contas que estão a ser pagos por todos nós, mas que foram gerados por más decisões, gestão danosa e crimes financeiros. Afinal, os banqueiros não eram as pessoas sábias, ponderadas e sérias que nos vendiam. A melhor forma de assaltar um banco, parece, é pelo seu conselho de administração.

A Caixa é de todos, pois claro, mas não era assim que pensava quem a geriu. Conhece Carlos Costa, o governador do Banco de Portugal, indicado para esse cargo por PSD e CDS e reconduzido pelo PS? Era um dos membros do conselho de administração quando a torneira de crédito para Espanha foi aberta na máxima força. Essa decisão já custou 500 milhões de euros e pode não ficar por aqui.

E quem terá sido o grande responsável pela faustosa quantia que a Caixa enterrou em Vale do Lobo, aquele mega projeto de especulação imobiliária? Nada mais nada menos do que o senhor dos robalos, Armando Vara, que era do PS, mas não era o único daquela administração com cunho partidário. Celeste Cardona, do CDS, também fez parte desta decisão desastrosa. Quem beneficiou deste empréstimo sem retorno? Rui Horta e Costa, que recentemente foi administrador dos CTT privatizados, ou Hélder Bataglia, um dos sócios da ESCOM.

Faria de Oliveira, sabe quem é? Ex-ministro do PSD, que hoje é presidente da Associação Portuguesa de Bancos, também foi presidente da Caixa. Estava ao leme dos destinos da Caixa quando Manuel Fino e Teixeira Duarte eram acionistas da Cimpor e entraram em guerra pela empresa. Sem explicação racional, a Caixa meteu-se no meio da disputa e aceitou comprar as ações de Fino com desconto.

Mas este não é o único exemplo da utilização da Caixa como arma em guerra de acionistas. Foi o que se passou no BCP, onde Jardim Gonçalves media forças com Joe Berardo e outros. Mais um buraco que ficou por pagar.

O passado da Caixa tem todos os protagonistas dos desaires nacionais da crise económica e da fraude financeira, porque eles estavam em todo o lado. A direita quer fazer da Caixa um saco de pancada porque é o banco público, mas sabemos bem que o problema não é da árvore, é da floresta.

Os grandes devedores dos bancos, que somaram milhares de milhões em negócios ruinosos, beneficiaram muitas vezes de favores políticos de quem dirigia o banco. O BPN era o maior exemplo disso, com o seu conselho de administração que facilmente se poderia confundir com um conselho de ministros de um governo do PSD. O BES, como vai sendo cada vez mais inequívoco, é indissociável das negociatas do escândalo José Sócrates. O DDT Ricardo Salgado misturava a política e os negócios, chegando com os seus tentáculos a todos os governos dos últimos 25 anos.

Sabemos que essa vasta teia gozou do privilégio do poder económico e político. Beneficiou do compadrio, de leis feitas à medida, de misericordiosos perdões fiscais, de amnistias várias. A caixa onde meteram a mão é todo o sistema financeiro português e o desfalque a medida de muitos sacrifícios que o nosso povo teve de pagar.

O relatório da auditoria da Caixa que foi divulgado é resultado do BE ter obrigado o governo a fazer uma auditoria forense ao banco público. Transparência. O mesmo deve ser exigido aos bancos privados e por isso conseguimos aprovar o acesso à lista dos grandes incumpridores da banca. Eyes wide shut? Só no cinema! Na vida real, temos de estar com os olhos bem abertos para o que se passa no sistema financeiro.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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