Constipados, nós?

Marcelo Rebelo de Sousa queria a demissão de Mário Centeno. Conversou com o primeiro-ministro sobre isso e recebeu em Belém o ministro das Finanças, a pedido de António Costa. Isto parece hoje estranho mas aconteceu mesmo e não foi há muito tempo - faz agora precisamente dois anos. No auge da polémica da Caixa Geral de Depósitos e do “erro de percepção mútua” que levou António Domingues a demitir-se apenas três meses depois de assumir a presidência do banco público, Centeno era um ministro fragilizado, o país discutia o que valia a sua palavra e o Presidente da República emitia um comunicado a esclarecer que apenas concordou com a decisão de Costa em “manter a confiança” no ministro das Finanças, por “atender ao estrito interesse nacional, em termos de estabilidade financeira”.

Dois anos depois, Centeno é presidente do Eurogrupo, conseguiu um défice histórico em 2018 e é uma espécie de selo de garantia deste Governo. E esta quarta-feira, em entrevista à Bloomberg, mostrou de forma clara como está a olhar para 2019: “O abrandamento da economia europeia pode durar um pouco mais do que pensávamos”.

Depois de três anos sucessivos em que o Governo foi revendo em alta as suas próprias previsões de crescimento económico, o momento é claramente de arrefecimento de expectativas. O “optimismo irritante” de Costa deu lugar a uma travagem abrupta na euforia. Centeno avisa que todos os países europeus devem estar “preocupados” e, com razão, se olharmos para o que se está a passar com o Brexit no Reino Unido, o abrandamento económico na Alemanha ou o conflito orçamental em Itália.

São discretas, mas sintomáticas as últimas declarações do Governo português a propósito do cenário europeu. Na semana passada, o ministro da Economia admitiu, durante uma audição com os deputados no Parlamento, uma “nova fase do ciclo económico” com o abrandamento mundial​ e o próprio António Costa, num debate na Associação 25 de Abril, fez, noutro tipo de registo, um aviso: "Temos de continuar a ter a cautela suficiente para que o país não se exponha a uma corrente de ar e apanhe uma gripe que se transforme numa pneumonia".

Isto significa que o Governo se prepara para rever, na Primavera, as suas metas e, pela primeira vez desde que tomou posse, baixar a previsão de crescimento económico ou, por outras palavras, adaptar essa previsão à realidade. O Orçamento do Estado para 2016 previa um crescimento de 1,8% que seria reconfirmado novamente a Bruxelas no Programa de Estabilidade (que tem de ser apresentado todos os meses de Abril). No ano seguinte, o Orçamento previa 1,5% e o Governo actualizou para 1,8%. Em 2018, o primeiro documento falava em 2,1% e o Programa de Estabilidade subiu para 2,3%. Agora, os 2,2% que Centeno escreveu no Orçamento para 2019, que acabou de entrar em vigor, podem já estar desactualizados.

"Aquilo que está no Orçamento não é necessariamente aquilo que acontece", afirmou Siza Vieira, em entrevista à Reuters, admitindo a possibilidade de o Governo se estrear no pessimismo. “O Governo, todos os anos por altura da Primavera no Programa de Estabilidade, actualiza as projecções orçamentais, trabalhando com base naquilo que é o real. Fazemos as projecções que suportam o Orçamento do Estado no Verão do ano anterior e, quando apresentamos o Programa de Estabilidade, actualizamos em função da realidade", explicou, dizendo ser ainda "cedo" para fazer essa actualização. Mas que ela virá, virá - é o que nos estão a dizer.

 

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