Guaidó rejeita "falso diálogo" com Maduro - "Aqui ninguém se rende"

O político que se declarou Presidente interino da Venezuela promete mais protestos e tenta puxar os militares para o lado da oposição com uma lei da amnistia.

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Juan Guaidó em Caracas Carlos Garcia Rawlins/REUTERS

Juan Guaidó, que se proclamou Presidente interino da Venezuela, mantém um discurso positivo, longe do tom de confrontação do passado, para manter acesa a esperança da oposição venezuelana no derrube de Nicolás Maduro e do chavismo. “Digam-me que não começaram a sonhar com essa Venezuela livre e grande que estamos a construir”, lançou para a multidão que encheu uma praça de Caracas esta sexta-feira para o ouvir falar dos seus planos para afastar “o usurpador” – que é como chama a Maduro. “No Palácio de Miraflores acham que este movimento é uma bolha que vai desinflar. Mas nós não nos vamos cansar. Aqui ninguém se rende”, garantiu.

Guaidó, que é presidente da Assembleia Nacional venezuelana, um órgão dominado pela oposição e ao qual Maduro roubou os poderes, transferindo-os para uma Assembleia Constituinte, tem um plano em três etapas: “Acabar com a usurpação, fazer um governo de transição e convocar eleições livres”.

É um programa feito à medida dos anseios da União Europeia, que está a ultimar uma nova declaração de ultimato ao Presidente venezuelano Nicolás Maduro, exigindo-lhe que num prazo – “curto”, como frisou o ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol, Josep Borrell – marque eleições “livres e justas”. Se não, a UE poderá ir mais além da posição emitida na quarta-feira por Federica Mogherini, e reconhecer mesmo Guaidó como Presidente interino, com legitimidade para que a Assembleia Nacional convoque as eleições.

Guaidó referiu-se várias vezes à União Europeia – pediu “um aplauso para a UE, que está neste momento a dar um passo muito importante”, e disse agradecer muito a posição europeia. “Sei que vai ser mais contundente nos próximos dias”, assegurou, ao falar na Praça Bolívar de Chacao, uma das cinco divisões administrativas de Caracas, que foi dirigida durante oito anos por Leopoldo López – o líder do partido Vontade Popular, condenado a 13 anos de prisão pelo regime chavista, que o responsabilizou pela morte de várias pessoas nos protestos de 2014.

Amnistia para os militares

O objectivo de Guaidó é fazer um discurso positivo, dar esperança – ouviu-se o célebre slogan de campanha de Barack Obama traduzido para “Si, se puede” várias vezes e ele respondeu “claro que se pode!”. Este engenheiro industrial de 35 anos pode ser um líder acidental, que ninguém esperava ver surgir de uma oposição desmoralizada, mas está a ser bastante eficaz. Muitas vezes se ouviu a multidão gritar “Presidente, Presidente”. Ele respondeu: "Mais do que um libertador, prefiro ser um servidor público.”

A próxima acção de mobilização será a distribuição da lei de amnistia aprovada pela Assembleia Nacional, para que todos os cidadãos possam dar a lê-la a militares, para tentá-los a passar para o lado da oposição. A lei está disponível online, para que todos possam tirá-la da Internet e imprimi-la para distribuir. “Vamos organizar-nos em pequenos grupos e entregá-la ao amigo militar, ao familiar militar e levá-la ao quartel perto na nossa comunidade”, disse Guaidó – e as suas palavras surgiram quase simultaneamente na sua conta de Twitter.

Esta acção de domingo será uma forma de preparação para “o grande protesto da próxima semana”, que não antecipou como será. Mas disse que haverá uma sessão da Assembleia Nacional na terça-feira.

Antes do discurso, Juan Guaidó tinha até admitido conceder amnistia ao Presidente Nicolás Maduro, se houvesse uma transição pacífica de poder, numa entrevista ao canal norte-americano em língua espanhola Univision. “Aconteceram coisas parecidas noutros períodos de transição. Aconteceu no Chile e na Venezuela em 1958. Não podemos descartar nada, mas temos de ser muito firmes em relação ao futuro", disse Guaidó. 

Ofereceu amnistia, mas não o diálogo a que, a dado momento, Maduro aludiu quando disse estar "sempre pronto" para o "diálogo nacional". "Se tiver que me ir encontrar com essa rapaz, vou", disse sobre o presidente da Assembleia Nacional. 

Guaidó disse tratar-se de um "falso diálogo". “O caminho aqui é claro: fim da usurpação, governo de transição e eleições livres", sublinhou.

O discurso transformou-se numa conferência de imprensa, e uma das perguntas que fizeram a Guaidó é se tinha medo de ser morto. Ele não respondeu directamente. Recordou que ainda há menos de duas semanas foi “sequestrado”, num episódio mal esclarecido em que foi detido pelos serviços secretos venezuelanos e depois libertado, numa operação que o Governo classificou como “irregular”. 

"Espanhóis insolentes"

Enquanto Guaidó falava em Chacao, Maduro discursava no Palácio de Miraflores. Seguro dos apoios manifestados pela Rússia e pela China – países que têm fortes interesses económicos na Venezuela, sobretudo no petróleo – o Presidente disse que as declarações do ministro espanhol dos Negócios Estrangeiros são “insolentes”. “Se querem fazer eleições que as façam em Espanha”, declarou, citado pelo El País.

Maduro arremeteu também contra Pedro Sánchez, que não chegou à presidência do Governo espanhol através de eleições – mas antes porque derrubou Mariano Rajoy numa moção de desconfiança. “Não tem moral para lançar um ultimato à Venezuela. Enfrentamos Espanha, como sempre fizemos, e ao seu racismo.”

Sobre o debate pedido para este sábado no Conselho de Segurança das Nações Unidas pelo secretário de Estado norte-americano Mike Pompeo, Maduro lançou um “obrigadinho”: “Ia pedi-lo, mas adiantou-se o mister Pompeo. Thank you very much. Já mandei o [Jorge] Arreaza [ministro dos Negócios Estrangeiros] para Nova Iorque”.

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