Segurança Social mandou fechar 109 lares de idosos, 12 com urgência

Associação de Apoio Domiciliário de Lares e Casas de Repouso de Idosos sustenta que, descontados os processos coercivos, “a maioria dos proprietários não cumpre ordem de encerramento”.

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enric vives rubio

Num caso e no outro, os idosos passavam fome, por vezes faltava-lhes a electricidade por falta de pagamento, estavam em “risco iminente” e por isso o Instituto de Segurança Social (ISS) mandou encerrar num só dia — 10 de Janeiro passado — dois lares de idosos que funcionavam ilegalmente, em Belmonte e Évora. Num caso e no outro, os idosos foram encaminhados para outras instituições e os proprietários sujeitos a interrogatório judicial.

Mas esta é só uma amostra de uma realidade que continua a estar marcada pela proliferação de centenas de lares que funcionam à margem da lei: no ano passado, o ISS mandou fechar 109 lares de idosos, 12 dos quais com carácter de urgência. É, ainda assim, uma descida relativamente ao ano anterior, em que foram 133 os lares a receber ordens para fechar (12 também com carácter de urgência). Em 2016 — recorde-se — tinham sido 73, contra os 91 de 2015. 

Segundo o ISS, em 2018 foram feitas 1678 acções de fiscalização em equipamentos sociais, das quais 577 a lares de idosos. São números ligeiramente acima das fiscalizações feitas no ano anterior: 1488 acções, 563 das quais em lares. "Estas inspecções foram alvo de alterações de procedimentos de controlo, tornando-se mais complexas e morosas", adiantou fonte daquele instituto.

“Muito provavelmente só esses doze que fecharam com carácter de urgência é que foram efectivamente encerrados: os que recebem ordens de encerramento voluntário têm trinta dias para cumprir e, na maioria dos casos, não cumprem ou cumprem mas saltam logo a seguir para outra casa mantendo-se ilegais”, critica João Ferreira de Almeida, presidente da ALI – Associação de Apoio Domiciliário de Lares e Casas de Repouso.

Para este responsável, “a eficiência do sistema [de fiscalização] cai pela base”, nomeadamente porque o ISS nem sempre comunicará ao Ministério Público o crime de desobediência em que incorrem os lares que são alvo de ordem de encerramento voluntário e que a desrespeitam. “Há responsáveis da Segurança Social que dizem que, uma vez emitida a ordem de encerramento, não lhes compete andarem a ver se a lei é cumprida ou não”, alega.

Consequentemente, conclui João Ferreira de Almeida, “os encerramentos reportados pela Segurança Social são um bocadinho ilusórios porque na sua maioria não são efectivos nem reais”.
O PÚBLICO confrontou o ISS com estas alegações, mas não obteve resposta. O que o ISS confirma é que, tal como nos anos anteriores, a maioria das decisões de encerramento proferidas em 2018 teve por base “a falta de licenciamento, de recursos humanos, instalações inadequadas, prestação de serviços aos utentes inadequada ou situações que colocam em risco a saúde e o bem-estar dos utentes”.

Descontadas as situações de maus-tratos aos idosos ou em que a negligência configure “um perigo iminente para a saúde e integridade dos utentes”, que dão azo ao encerramento coercivo e à consequente transferência dos idosos, conforme acrescenta o ISS, o presidente da ALI diz-se convencido que muitos dos lares que funcionam na ilegalidade poderiam regularizar-se caso a lei não colocasse tantas exigências.

“Este tipo de incumprimentos corresponde, quase na totalidade, a lares que funcionam em moradias. E adaptar essas moradias aos requisitos da portaria que regulamenta o licenciamento é extremamente difícil, obrigando os proprietários a gastar muito dinheiro e a, normalmente, reduzir a lotação, por causa das áreas exigidas para salas, quartos e casas de banho. Ora, as pessoas estão pouco disponíveis para gastar dinheiro e para a seguir verem a receita diminuída. Logo, há proprietários que vão saltando de casa em casa, à medida que vão sendo ‘apanhados’ pela Segurança Social e mantêm-se assim anos a fio”, declara.

Flexibilizar as regras

Para o presidente desta associação, que diz representar 210 de um universo de cerca de 700 lares privados, a lei devia ser revista “no sentido de flexibilizar as regras, nos casos em que o lar funcione em edifícios pré-existentes, como moradias”.

“Adaptar uma moradia ou criar instalações de raiz são situações muito diferentes e há que tratar de forma diferente o que é diferente”, preconiza, dizendo-se convencido de que estas mudanças “seriam boas para travar o aparecimento de lares ilegais e até, nalguns casos, para dar condições para o licenciamento de alguns dos que hoje funcionam sem licença, devido ao incumprimento dos requisitos em termos de instalações, mas onde os idosos são muito bem tratados”.

“Uma coisa é um lar estar ilegal por falta de licenciamento e outra, muito diferente, é o lar que está clandestino porque não tem entidade empresarial de suporte, não paga impostos nem tem pessoal em número suficiente, sem o que não é possível tratar bem os idosos”, destrinça João Ferreira de Almeida. 

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