Repressão e tortura põem em dúvida o “novo Zimbabwe” de Mnangagwa

Há relatos de tortura das forças de segurança para reprimir protestos que duram há uma semana e que já fizeram vários mortos. O Presidente promete uma investigação mas não abdica das suas medidas políticas.

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Manifestante ferido, com sinais de tortura, procurou tratamento num hospital em Harare Philimon Bulawayo/REUTERS
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Presidente Emmerson Mnangagwa promete investigar repressão, mas não abdica da sua política Philimon Bulawayo/REUTERS

O Presidente do Zimbabwe, Emmerson Mnangagwa, abreviou uma viagem à Europa na segunda-feira para tentar resolver os problemas que tem em casa. Desde a semana passada que manifestantes estão a sair à rua para protestar contra o aumento do preço dos combustíveis. Há mortos e relatos de tortura por parte das forças de segurança. Mnangagwa prometeu investigar e responsabilizar os militares pela violência mas não abdica da sua política para resolver a grave crise económica e que serviu de rastilho para as manifestações.

A 12 de Janeiro, o Presidente anunciou que o preço da gasolina ia aumentar em 150% logo no dia seguinte, passando de 1,32 dólares (1,1 euros) por litro para 3,31 dólares (2,9 euros). De acordo com o site globalpetrolprices.com, o Zimbabwe tornou-se no país com o combustível mais caro do mundo.

O aumento dos preços tinha como objectivo combater a escassez de combustível, numa altura em que as filas nas bombas de gasolina cresciam a cada dia que passava, obrigando as autoridades a intervir para travar tumultos.

Mas esta foi apenas a gota que fez transbordar a panela, levando as pessoas a sair à rua na capital Harare e na cidade de Bulawayo, no sudoeste do país.

O Zimbabwe vive uma crise económica que tem levado, nos últimos meses, a uma escassez de produtos básicos como medicamentos, alimentos, para além do combustível.

A inflação não pára (chegou aos 42% em Dezembro) e o dinheiro em circulação – que é, desde 2009, essencialmente o dólar norte-americano, mas também a libra esterlina e o rand sul-africano – é escasso, fragilizando cada vez mais a economia do Zimbabwe.

Como Mugabe

Após 37 anos de poder autoritário de Robert Mugabe, forçado a renunciar em 2017, Emmerson Mnangagwa foi eleito no ano passado, trazendo consigo promessas de fim de uma era de repressão e autoritarismo.

Com o que se tem passado nos últimos dias, o sentimento é o de que, afinal, os prometidos tempos novos não chegaram. O "novo Zimbabwe" de que fala Mnangagwa não parece, afinal, ter chegado.

Na terça-feira, a Comissão de Direitos Humanos do Zimbabwe disse que as forças de segurança instigaram tortura sistemática contra manifestantes. Outras organizações denunciam espancamentos de civis, incluindo de crianças, e há relatos de que grupos ligados à União Nacional Africana do Zimbabwe-Frente Patriótica (ZANU-PF), o partido do poder, arrastaram pessoas feridas dos hospitais para as deter e foram a casas de civis durante a noite com armas e cães.

Além disso, a polícia e soldados utilizaram munições reais para dispersar os manifestantes. Houve ainda detenções em massa, incluindo do famoso pastor Evan Mawarire e de deputados da oposição.

As autoridades garantem que isto resultou em três mortos na última semana, mas as organizações de defesa dos direitos humanos dizem que o número real é de, pelo menos, 12 vítimas.

No meio disto, foi instaurado um blackout na Internet.

Quando regressou a Harare, depois de cancelar a sua participação no Fórum Económico Mundial em Davos, Mnangagwa tentou por água na fervura, passando as culpas para as forças de segurança. Condenando manifestações violentas, o Presidente disse, no entanto, numa série de tweets, que a “violência e a má conduta das nossas forças de segurança são inaceitáveis e uma traição ao novo Zimbabwe”. “O caos e a insubordinação não serão tolerados. A má conduta será investigada. Se necessário, vão rolar cabeças”, garantiu.

Mnangagwa apelou ainda aos “líderes de todos os partidos políticos, bem como os líderes religiosos e civis” a juntarem-se num “diálogo nacional”.

Apesar de tudo, o Presidente insistiu que o aumento dos preços dos combustíveis é a “coisa certa a fazer”.

Mas antes, um porta-voz de Mnangagwa adoptou um tom diferente e afirmou, no domingo, citado pela Reuters, que a acção das autoridades na última semana é para manter caso haja mais tumultos. A BBC cita também um porta-voz que diz que “quando as coisas saem do controlo, é necessária um pouco de firmeza”.

Com os investidores receosos de entrarem novamente no Zimbabwe, apesar dos apelos do Presidente, os analistas dizem que a actual onda de repressão por parte das forças de segurança até pode acabar com os protestos momentaneamente. Mas, enquanto os problemas económicos de fundo não forem resolvidos, a tensão não se vai dissipar. E a pressão sobre Mnangagwa também não.

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