Mota-Engil pode ter de pagar indemnização em caso de corrupção no Peru

Se uma ex-directora comercial da Mota-Engil Peru for acusada num caso de corrupção que envolve o alegado pagamento de luvas para adjudicação de obras públicas, a construtora poderá ser obrigada a compensar o Estado peruano.

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A Mota-Engil, presidida por António Mota, diz esperar "que se conclua pelo comportamento eticamente responsável da empresa" fvl Fernando Veludo/NFACTOS

A notícia chegou às páginas dos jornais peruanos em Janeiro de 2018. Há precisamente um ano, o Ministério Público do Peru realizava buscas em mais de 40 imóveis relacionados com 17 pessoas investigadas por suspeitas de corrupção e pagamento de luvas a um ex-assessor do Ministério de Transportes e Comunicações daquele país.

A tese do Ministério Público peruano (que uma juíza do tribunal especializado em delitos de corrupção de funcionários públicos do Peru considerou credível o bastante para autorizar as buscas e apreensões) foi a de que, entre 2011 e 2014, existiu um grupo denominado “Club de la Construcción”, formado por diversas empresas (entre elas as brasileiras Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão, duas das investigadas na Operação Lava Jato) que realizaram acordos ilegais e licitações fraudulentas com vista a repartir entre si as adjudicações de várias obras lançadas pelo Ministério dos Transportes do Peru. Isto mediante o alegado pagamento de uma percentagem de 2,9% do valor da obra ao assessor do então ministro Carlos Paredes.

Entre os vários suspeitos figura Norma Zeppilli del Mar que era, à data das buscas, directora comercial e de desenvolvimento de negócios da Mota-Engil Peru, cargo que exerceu entre Setembro de 2013 e Fevereiro de 2018, de acordo com o seu perfil na rede social LinkedIn (antes disso, entre Janeiro e Agosto de 2013, foi directora comercial e, entre Setembro de 2007 e Agosto de 2013, gerente comercial). De acordo com a ordem judicial de realização de buscas a que o PÚBLICO teve acesso, Zepilli foi identificada pela justiça peruana como a funcionária da Mota-Engil que se terá alegadamente reunido com os funcionários das outras construtoras para decidirem entre si que obras caberiam a cada empresa.

No mais recente desenvolvimento do caso, no mês passado, a mesma magistrada, a juíza María de los Ángeles Álvarez, decidiu que 12 das empresas investigadas deveriam ser consideradas civilmente responsáveis no processo, e chamadas a contribuir para o pagamento de eventuais indemnizações, caso venha a comprovar-se a culpabilidade dos suspeitos. Entre elas, a Mota-Engil Peru, que contestou a decisão.

Questionada, fonte oficial do grupo português referiu que “a Mota-Engil Peru, como todas as empresas de construção, foram incluídas na investigação como possível terceiro civilmente responsável, decisão judicial que está em recurso perante instância superior”.

A empresa presidida por António Mota sublinhou que esta decisão do tribunal “não implica per se a responsabilidade da empresa em tal qualidade, ou seja, a Mota-Engil Peru não é investigada nem está constituída como arguida neste nem em qualquer outro processo”.

O PÚBLICO quis saber se a Mota-Engil reconhece a participação de Norma Zeppilli no alegado esquema de corrupção e se considera que a suspeita actuou por iniciativa própria. “Não reconhece”, respondeu a Mota-Engil, revelando ainda que “a Eng.ª Zeppilli não tem qualquer função de gestão na empresa” (no LinkedIn, Norma Zeppilli surge como assessora de desenvolvimento de novos negócios na filial peruana da construtora desde Fevereiro do ano passado, ou seja, um mês após as buscas).

Acrescentando que o processo está em “fase de investigação preparatória, um status que não mudou desde a sua criação”, a construtora diz confiar “que se fará justiça e que se conclua pelo comportamento eticamente responsável da empresa”.

Segundo o comunicado divulgado pelo tribunal peruano em Dezembro, existem “elementos suficientes” que demonstram a relação entre as várias empresas e as adjudicações de obras públicas que foram efectuadas pela Provías (a entidade que funciona na dependência do Ministério dos Transportes peruano e que é responsável pela gestão das infra-estruturas de transporte do país) e o período temporal da investigação. Alguns meios de comunicação social peruanos referem que a justiça contabilizou provisoriamente em 64 milhões de sóis peruanos (cerca de 17 milhões de euros) o valor da indemnização civil que as construtoras poderão ter de pagar, um montante passível de aumentar com o andamento das investigações.

Ramificações da Operação Lava Jato

A descoberta desta “organização criminosa”, como lhe chama o Ministério Público peruano na notificação judicial de busca a um dos suspeitos que foi consultada pelo PÚBLICO, nasceu de umas das linhas de investigação que ramificaram da mega operação brasileira Lava Jato, que desmontou os esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro de grandes construtoras como a Odebrecht, a Andrade Gutierrez e a Camargo Corrêa, e que se estendeu a vários países da América Latina e África. No Peru já foram afastados diversos governantes por suspeitas de corrupção.

Desde 2015 que há registos na imprensa peruana e brasileira sobre um alegado cartel da construção no Peru e há notícia de testemunhos quer de um ex-trabalhador do Ministério dos Transportes peruano, quer de um ex-funcionário da Odebrecht que denunciou o esquema às autoridades. Nos documentos consultados pelo PÚBLICO, o Ministério Público peruano cita mesmo o “colaborador eficaz nº 06-2017 (funcionário de la empresa Odebrecht)” como a fonte de informação que permitiu cruzar dados sobre os lugares onde os membros do alegado cartel se reuniam, e situar os suspeitos, incluindo Norma Zeppilli, nesses locais, como o restaurante Balthazar, em Lima.

O Peru não é o único país da América Latina capaz de gerar dores de cabeça à Mota-Engil (que em 2016 contratou o ex-vice-primeiro-ministro Paulo Portas como seu consultor, para dinamizar um Conselho Consultivo Internacional para aquela região). Na imprensa colombiana surgiram recentemente queixas de subempreiteiros que reclamam à construtora o pagamento de dívidas em projectos relacionados com a construção de escolas. Uma acusação que a empresa rejeita: “Os factos referidos não correspondem à verdade”, disse fonte oficial ao PÚBLICO.

Segundo a construtora, registou-se “um único tema em 2016 relacionado com dívidas de um subempreiteiro aos seus funcionários e fornecedores, mas os quais não tinham qualquer relação contratual com a Mota-Engil, que sempre cumpriu as suas responsabilidades”.

A empresa sublinhou ainda que tem sete contratos de obras em curso na Colômbia, dos quais o maior é a construção de 252 colégios, e que conta com duas centenas de fornecedores “com os quais existe uma relação de normal funcionamento e sem dívidas”.

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