AIS – A Associação dos Indignados Selectivos

Sejamos sérios, meus senhores. Alguém tem dúvidas de que não haja aqui um caso de amiguismo e de favorecimento? Não brinquem comigo.

O meu texto de sábado sobre a Câmara de Loures e o espírito empresarial do genro de Jerónimo de Sousa deu origem a inúmeros comentários da Associação dos Indignados Selectivos – cujos associados passarão daqui para a frente a ser referidos como “AIS”. Há AIS de direita e AIS de esquerda, que vão alternando de papel consoante os escândalos atingem pessoas de esquerda ou de direita.

Os AIS, como o próprio nome indica, soltam muitos “ais” quando quem pratica actos eticamente reprováveis é uma pessoa do campo político oposto ao seu. Já se os actos eticamente reprováveis forem cometidos por alguém do campo político que lhes é simpático, então os AIS não dizem nem “ai”, nem “ui”.

Esta indignação selectiva é uma das grandes poluições do espaço público português, subjugando princípios morais à mais rasteira estratégia política. Se o nome de Passos Coelho, por exemplo, é envolvido nas negociatas da Tecnoforma, os AIS de esquerda rasgam as vestes, enquanto os AIS de direita tentam desculpá-lo. Já se Bernardino Soares dá emprego a um familiar próximo do líder do PCP, os mesmos AIS de esquerda que não permitem a Passos pisar um traço contínuo são agora todos eles tolerância e compreensão, garantindo que quem vai atrás da malévola reportagem da TVI (como eu) é um miserável caluniador, pois não prestou atenção ao notável comunicado da Câmara de Loures, onde está tudo explicado tintim por tintim.

Embora eu ainda não tivesse conhecimento do comunicado da Câmara de Loures quando escrevi o meu texto, só AIS muito assolapados conseguirão encontrar nele alguma informação relevante para aquilo que está em causa. Ninguém acusou a Câmara de Loures, e muito menos Jerónimo de Sousa, de terem cometido ilegalidades passíveis de serem investigadas pelas autoridades judiciais.

Pelo que se sabe até agora, o único concurso para a atribuição do serviço ao genro de Jerónimo não foi ilegal, e os valores dos restantes contratos por ajuste directo estão abaixo daquilo que a lei exige. Só que o ponto não é a ilegalidade da escolha, mas a sua falta de moralidade.

Para compreender isto basta não ser totalmente AIS e possuir um módico conhecimento da natureza humana. Desde o atabalhoamento de Bernardino Soares na reportagem original até ao estado de gaguez de Jerónimo de Sousa, a quem nunca na vida vi tão atrapalhado em duas intervenções consecutivas, aquilo que aconteceu em Loures é bastante evidente. Claro que há coisas que nós não sabemos em relação ao secretário-geral do PCP (soube?, não soube?, meteu cunha?, não meteu cunha?), e é até possível que Jerónimo de Sousa só veja o genro no Natal. Mas, quanto ao resto, que é o que mais importa, só não vê mesmo quem não quer ver.

Seria uma coincidência digna de Euromilhões que o genro do líder dos comunistas tivesse ganho um concurso para o qual não tinha currículo numa das poucas câmaras comunistas do país. Seria outra coincidência extraordinária ele ser contemplado com uma sucessão de ajustes directos, com contratos de poucos meses para não ultrapassar os valores máximos permitidos por lei, apesar dos espaços publicitários estarem lá 365 dias por ano e o trabalho de vistoriá-los ser sempre o mesmo.

Sejamos sérios, meus senhores. Alguém tem dúvidas de que não haja aqui um caso de amiguismo e de favorecimento? Não brinquem comigo. Como se viu pelas reacções ao meu texto, os AIS de esquerda adoram acreditar no Pai Natal. Mas só – temo bem – enquanto ele continuar a vestir-se de vermelho.

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