Autarca de Portimão, que “engoliu” folha de papel durante busca da PJ, começa a ser julgado

A criação de uma “cidade do cinema”- uma espécie de Hollywood à portuguesa - alimentou o sonho dos autarcas de Portimão. Não deu em nada mas por causa deste e de outros projectos falhados, câmara acumulou dívidas no montante de 182 milhões.

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Miguel Manso

O antigo vice-presidente da Câmara de Portimão e mais três empresários, vão nesta terça-feira a julgamento acusados dos crimes de branqueamento de capitais, burla qualificada e participação económica em negócio. Do rol dos arguidos fazem ainda parte seis sociedades que prestaram serviços a duas empresas municipais. Tudo aconteceu há cerca de uma década, quando o Algarve sonhava em criar uma “cidade do cinema”, uma espécie de Hollywood à portuguesa. Luís Carito esteve na origem desse projecto falhado, e de outros que terão contribuído para falência que se abateu sobre a câmara. Durante a investigação deste processo, o ex-autarca, médico de profissão, protagonizou uma insólita cena policial — comeu uma folha de papel A4, que alegadamente o comprometia, durante uma busca feita pela PJ à sua residência.

Segundo o Ministério Público, Carito concebeu um “esquema fraudulento” que envolveu prestadores de serviços às empresas municipais Portimão Turis e Urbis. O “esquema”, desenvolvido durante os anos de 2009 e 2013, foi suportado através de uma “intrincada teia de movimentos bancários” que teria como um dos principais beneficiários Luís Carito, responsável, na altura, pelo pelouro da economia, finanças e turismo do município. Por outro lado, o autarca detinha uma “posição de absoluto domínio” na gestão das empresas municipais, desempenhando ao mesmo tempo os cargos de presidente do Conselho de Administração da Comissão Executiva das duas empresas que tinham a câmara como único accionista. A situação financeira do município agravou-se ao ponto de ter entrado em ruptura financeira em 2013 - ano em que registou um aumento do passivo em 29.8 milhões de euros 

Quando a Polícia Judiciária (PJ), no dia 19 de Julho de 2013, fez uma busca à residência do então autarca, “encontrou um documento em formato A4, dobrado em quatro, que se encontrava acomodado numa bolsa de cor preta” no escritório. Segundo a acusação, “continha uma lista de diversos nomes, compatíveis com os valores monetários” que estavam a ser investigados. Da mão de um dos inspectores da PJ, “Luís Carito, com um forte puxão” retirou o documento, fugiu para a varanda, “iniciando apressadamente a mastigação” da folha, que fez desaparecer. "Engoliu-o, tendo-o feito para impedir que esse documento, que o mesmo sabia conter informação relevante para o apuramento da responsabilidade criminal, fosse utilizado como prova dos factos que lhe são imputados nos autos”

Artur Curado, apresentado na câmara de Portimão como “conhecedor profundo dos meandros do mundo cinematográfico”, viajou pela Europa e Estados Unidos da América para publicitar o projecto da “cidade do cinema” — uma Hollywood à escala portuguesa. Por via das contratações efectuadas, acusa o MP, “o arguido teve um papel proeminente no enriquecimento de Luís Carito à custa, directa ou indirectamente, dos pagamentos feitos pela Portimão Turis/Urbis”. Nas contas bancárias relacionadas com o “cluster do cinema”, diz o MP, logrou obter rendimentos num montante superior a um milhão de euros, “dos quais, só em numerário, movimentou a quantia de 418,810 euros. Comparando os levantamentos em numerário com as contas de Luís Carito e seus familiares, os investigadores detectaram “31 coincidências, entre as quais se destacam duas de valores idênticos e três de realização simultânea”.

Além destes dois arguidos - Luís Carito e Artur Curato, acusados de serem os “principais beneficiários” das operações realizadas -, vão ser também julgados Luís Marreiros e Carlos Barros, mais seis empresas, pronunciados em co-autoria, por um crime de burla qualificada e outro de branqueamento. Os quatro arguidos vão ainda responder por um crime de participação económica em negócio.

A câmara de Portimão, entretanto, constituiu-se como assistente no processo e apresentou um pedido de indemnização de cerca de 700 mil euros, o valor relativo aos alegados prejuízos.

Em 2017, o Ministério Público acusou 21 arguidos, 12 empresas e nove pessoas, incluindo Luís Carito e Jorge Campos, detidos em 2013. Na altura, estes dois socialistas eram, respectivamente, vice-presidente e vereador, socialistas e membros dos conselhos de administração das empresas municipais. Porém, com o pedido de abertura de instrução — fase facultativa que visa decidir por um juiz de instrução criminal se o processo segue para julgamento — o juiz Ivo Rosa, do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), reduziu a quatro o número de arguidos, mais seis sociedades que celebraram contratos com as empresas municipais.

A câmara de Portimão, juntamente com o município de Fornos de Algodres, figurou em 2014 na lista das autarquias com um passivo mais difícil de resolver. Em Outubro desse ano, Isilda Gomes, PS, sucedeu a Manuel da Luz, do mesmo partido. A dívida a fornecedores ascendia a 147 milhões. Pediu o resgate, através do Programa de Apoio à Economia Local (PAEL), e nesta quarta-feira leva a aprovação na reunião do executivo as contas de gerência com um salto positivo de 23 milhões de euros, que transita de 2018 para 2019.

O julgamento de Luís Carito, no Tribunal de Portimão, já tem sessões agendadas até Abril. 

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