Auditoria da CGD: Governo quer que se apurem responsabilidades

Os resultados preliminares de uma auditoria independente à Caixa Geral de Depósitos revelaram que os gestores receberam prémios de gestão em anos de prejuízo e que operações de risco elevado foram aprovadas sem parecer favorável da direcção de risco.

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A Caixa Geral de Depósitos emprestou milhões de euros sem aprovação da direcção de gestão de risco Daniel Rocha

Uma auditoria independente realizada pela EY (antiga Ernst&Young) à gestão da Caixa Geral de Depósitos (CGD) entre 2000 e 2015 revelou que os administradores da instituição pública receberam “remuneração variável” e “voto de confiança”, mesmo com resultados negativos.

A informação foi revelada pela ex-deputada do Bloco de Esquerda, Joana Amaral Dias, durante o seu espaço de comentário ao domingo à noite, e citada por vários órgãos de comunicação social. Em reacção, esta manhã o Governo disse ter pedido à administração da Caixa Geral de Depósitos que tome "todas as diligências necessárias para apurar quaisquer responsabilidades" nos actos detectados pela auditoria e adopte as "medidas adequadas" para defender o património do banco.

Num esclarecimento enviado ao PÚBLICO, o Ministério das Finanças confirma que deu instruções à CGD para que o relatório “fosse remetido ao Banco de Portugal e ao Mecanismo Único de Supervisão do Banco Central Europeu, bem como a outras autoridades judiciais, de inspecção, de supervisão ou em matéria tributária, caso os elementos do relatório se afigurassem relevantes para o exercício das suas atribuições”. 

Em causa estava a intenção de o Governo apurar a origem das perdas em créditos que obrigaram o banco público a fazer a maior recapitalização da banca portuguesa, cujo valor de ajudas públicas ficou perto dos cinco mil milhões de euros.

O Ministério das Finanças garante que "continuará a acompanhar este tema, tendo transmitido ao Conselho de Administração da CGD a necessidade de tomar as medidas adequadas para a defesa da situação patrimonial" do banco.

"O Governo está focado no presente e no futuro da CGD, através da implementação do seu plano estratégico, para garantir que a Caixa está em condições de exercer a sua função ao serviço da economia portuguesa", salienta em nota escrita.

Apesar de informações reveladas por Joana Amaral Dias em relação à auditoria, o Governo ressalva que “o relatório contém informação sujeita a sigilo bancário, motivo pelo qual não é susceptível de disponibilização ao accionista”. Também os presidentes executivo e não executivo da CGD, Paulo Macedo e Rui Vilar, já tinham invocado o segredo de justiça para justificar o facto de o banco público ter recusado o acesso ao relatório.

Em entrevista à RTP3, o antigo presidente da Caixa Geral de Depósitos — que liderou a instituição durante parte do período que foi alvo da auditoria — lembra que este é um relatório preliminar.

“O conselho de crédito dá pareceres que não são vinculativos. Os conselhos de crédito abrangem um número muito grande de pessoas, muito elevado de pessoas. Os assuntos são discutidos, toma-se uma decisão final e que eu me lembre nunca houve uma declaração de voto mesmo da área de risco em relação às decisões tomadas”, declarou Fernando Faria de Oliveira no programa “Tudo é Economia”, esta segunda-feira. “E sobre esse assunto eu não vou dizer mais nada”, vincou o antigo presidente da Caixa Geral de Depósitos.

A auditoria é especialmente crítica do período 2000-2008, durante o qual “não foi obtida evidência dos princípios orientadores para a remuneração variável aplicada, concluindo-se que as decisões foram tomadas de forma avulsa”. “Mesmo perante resultados negativos foi decidido atribuir remuneração variável e emitido voto de confiança”, lê-se no relatório da auditoria.

A consultora revelou ainda que “o volume de imparidades [quando a quantia recuperável é inferior à quantia escriturada] da CGD evoluiu de 46,9% em 2013 para 58,1% em 2015” no sector da construção e imobiliário. Os restantes bancos todos apresentaram a situação inversa, reduzindo as imparidades na concessão de crédito às empresas deste segmento, concluiu a auditoria.

Além disso, a auditoria considerou que muitas operações de concessão de crédito da CGD foram concedidas sem uma análise de risco aprofundada, incluindo “operações aprovadas com parecer de risco desfavorável ou condicionado” pela direcção de gestão de risco do banco e lista sete operações que considera terem resultado num aumento da exposição considerado elevado ou grave da CGD.

Em causa nesta lista de devedores estão a Artlant (em Sines), Joe Berardo (através da Fundação Berardo e da holding Metalgest), a Birchview e a QDL (do projecto de Vale do Lobo), a Investfino e a Finpro. Os valores em causa incluem financiamentos totais de quase três mil milhões de euros, em quase 200 créditos, dos quais destacam-se sete grandes empréstimos num total de mil milhões, em que as perdas efectivas registadas pelo banco público ascenderam a 500 milhões. Os gestores que ocupavam posições de liderança no banco durante este período incluíam nomes como António Sousa, Carlos Santos Ferreira, Faria de Oliveira ou José Matos.

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