Banca Carige + Banca Monte dei Paschi: a sequela?

Será a ameaça de nacionalização de Salvini e Di Maio “areia q.b. na engrenagem” de mais um “grande negócio” bancário?

Os líderes da Liga Italiana e do Movimento Cinco Estrelas, Salvini e Di Maio, defendem a nacionalização da Banca Carige, com o primeiro a argumentar que se o Estado italiano investe dinheiro no banco deve beneficiar dos lucros e a acrescentar, provavelmente com ironia, que isso é “algo que a Europa compreenderá certamente”. Salvini e Di Maio enfrentam, porém, a oposição do seu ministro das Finanças, Giovanni Tria, que defende a posição das autoridades europeias.

Entretanto, o Estado Italiano aprovou um decreto-lei que prevê, se necessário, um resgate da Banca Carige de 1,3 mil milhões de euros (mil M€), a que acrescem garantias bancárias. Salvini e Di Maio têm sido criticados porque o diploma para a Banca Carige é, afinal, similar ao que criticaram aquando da “liquidação” da Veneto Banca e da Banca Popolare di Vicenza, feita pelo Governo anterior. Talvez por isso se defendam dos críticos afirmando que nacionalizarão a Banca Carige.

Outro banco italiano, o Unicredito, já se terá disponibilizado a “sacrificar-se” adquirindo a Banca Carige, se o Estado entrar com dinheiro. Fala-se também no interesse dos bancos franceses BNP Paribas ou Credit Agricole, numa operação politicamente mais sensível, especialmente no contexto das relações “complexas” entre Macron e Salvini.

Naturalmente, a nova administração da Banca Carige, que está sob a administração directa do BCE, resiste à nacionalização do banco. Mas será a ameaça de nacionalização de Salvini e Di Maio “areia q.b. na engrenagem" de mais um “grande negócio” bancário?

A melhor defesa das autoridades europeias é o ataque-relâmpago ao Monte dei Paschi?

Entretanto, o BCE, sem mostrar receio do Governo populista italiano, escreveu uma carta ao Monte dei Paschi, detido em 68% pelo Estado italiano, assinalando problemas de liquidez, de rentabilidade, de cumprimento dos rácios mínimos de capital, e determinou que o banco terá de aumentar as provisões para crédito malparado nos próximos anos, apesar de, em teoria, o BCE não ter poder para tal. Mas o banco tinha-se comprometido a respeitar​ metas ambiciosas de diminuição dos níveis de crédito malparado com a Direcção-Geral de Concorrência (DGComp) da Comissão Europeia, no âmbito de um plano de reestruturação a que se submeteu, de forma a aprovar uma recapitalização pública em 2017.

“Já eram” 9,5 dos 9,7 mil M€ injectados no Monte dei Paschi em 2017

Em 2017, o Monte dei Paschi beneficiou de uma recapitalização de 9,7 mil M€, dos quais 5,4 mil M€ pelo Estado italiano, que analisei no final de 2016. Essa recapitalização foi quase 100% superior ao que o BCE exigia meses antes (5 mil M€) e representava 110% do nível de capitais próprios do banco antes da operação, que era de cerca de 8,8 mil M€ no final do terceiro trimestre de 2016.

As necessidades de capital do Monte dei Paschi teriam sido detectadas num teste de stress da Autoridade Bancária Europeia (EBA) divulgado em Julho de 2016, que, apesar de considerar que os rácios de capital do Monte dei Paschi cumpriam os requisitos no teste de stress do cenário-base, não os cumpririam num cenário adverso, em parte em resultado do portfólio de dívida pública italiana no balanço. As necessidades de capital no cenário adverso seriam, então, os referidos 5 mil M€.

Essa recapitalização de 9,7 mil M€ teve como efeito a definição e o acordo com a DGComp de um plano de reestruturação que, entre outros pontos, obrigou à alienação de 26 mil M€ de crédito malparado ao fundo Atlante II, parcialmente financiado pelo Estado italiano através da garantia estatal sobre 3,3 mil M€ de dívida desse fundo. Acresce que essa venda de crédito malparado ao Atlante II terá logo consumido 3,9 mil M€ do novo capital do Monte dei Paschi, num jogo de “dá-se com uma mão o que se tira com a outra”, muito típico destas “transacções”.

De acordo com esse plano de reestruturação, o Governo italiano comprometeu-se a indicar, em 2019, como iria privatizar o Monte dei Paschi, tendo-se igualmente comprometido com um prazo para o fazer (como no caso do Novo Banco).

Dois anos volvidos, após cerca dos 9,5 dos 9,7 mil M€ do novo capital injectado no Monte dei Paschi terem sido consumidos com as provisões para o crédito malparado, o BCE queixa-se novamente de que o capital do banco é insuficiente e que o malparado é demasiado elevado.

De quem é a responsabilidade? Da gestão do Monte dei Paschi ou será que o BCE e a DGComp fizeram mal as contas (revistas) no final de 2016?

Aumentando a parada

O Monte dei Paschi teve resultados operacionais positivos nos primeiros nove meses de 2018 (803M€), e resultados líquidos também positivos. A diferença entre a taxa de juro que cobra nos empréstimos e que paga no seu financiamento é elevada (2,05 p.p.), sugerindo um negócio já rentável.

As autoridades europeias sabem que a alternância democrática resulta em líderes políticos que não acompanham os dossiers do princípio e em compromissos de políticos que, com horizontes temporais curtos, adiam o problema para a frente.

Poderão, por exemplo, dizer ao Governo italiano que aceitam a nacionalização temporária da Banca Carige. Em contrapartida, o Governo italiano poderá ter de privatizar o Monte dei Paschi. 

“Cá se fazem cá se pagam”, mas o importante mesmo é que “se pague” só em 2020

O Governo português, que não tem dinheiro para pensões nem salários e que dá aumentos de cêntimos a pensionistas, rolou novamente os tapetes vermelhos para a banca, dando-lhe mais dinheiros públicos, através de uma proposta de alteração das regras fiscais​ contabilização de imparidades que, evidentemente, afecta negativamente o saldo orçamental público de 2019, bem como as contas públicas de 2020 a 2024. Não se percebe qual a pressa do Conselho de Ministros e por que razão esta medida não foi incluída na proposta do Orçamento do Estado de 2019.

Afigura-se que um dos objectivos é ajudar a CGD a recapitalizar-se. O outro será assegurar que a banca não conteste judicialmente mais uma doação de 850M€ ao Novo Banco, financiado com um empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução, devido à garantia pública de 4 mil M€ que o Governo decidiu conceder à Lone Star, apesar de já ser então previsível, como​ aqui se referiu, que essa garantia seria plenamente exercida.

Por outro lado, note-se que a recapitalização da CGD em 2017 envolveu um plano “industrial” (i.e., plano de reestruturação) assinado com a DGComp, daqueles planos semi-secretos com objectivos, no mínimo, irrealistas, que se pagam muito caro mais tarde. Um plano à la Banif.

É claro que o Governo não quer o ano eleitoral ensombrado com potenciais dificuldades da CGD em cumprir o plano de reestruturação acordado com a DGComp. Tenha-se presente que, no caso de o plano não ser cumprido, a ameaça de privatização da CGD é real.

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