Como as seniores do União Sportiva desarmam a insularidade

Equipa feminina chegou à I Liga em 2013-14 e, nas últimas quatro épocas, conquistou três campeonatos, uma Taça de Portugal e três Supertaças. “Bom scouting, gestão rigorosa e trabalho duro” sustentam sucesso.

Fotogaleria
Rui Soares
Fotogaleria
Fotogaleria

Sidónio Serpa, símbolo do desporto nacional no século passado, dá nome à casa das seniores femininas de basquetebol do Clube União Sportiva. As campeãs nacionais partilham o pavilhão (que pertence ao Governo regional) com outras equipas, de várias modalidades (futsal, hóquei em patins, ginástica e patinagem), o que faz do complexo um dos mais movimentados da ilha de São Miguel. E mesmo estando de frente para o maior centro comercial dos Açores, quase passa despercebido: é modesto nas dimensões e está praticamente anexado a uma escola secundária e a outros recintos desportivos.

Nos anos 80, o União Sportiva, fundado em 1921 e com um historial de conquistas em várias modalidades no desporto açoriano, perdeu o seu estádio. Outras modalidades, como o hóquei e o futebol, também foram ficando pelo caminho. Sobrou apenas o basquetebol — que também chegou a ser interrompido — em todos os escalões, masculinos e femininos. E a face mais visível desse grito de resistência é hoje a equipa sénior feminina, que não só voltou a arrecadar vitórias para o clube, como assegurou conquistas invulgares na região. 

“Em 2002 houve a intenção de reactivar a secção de basket, convidaram-me e peguei neste projecto”, começa por dizer ao PÚBLICO Ricardo Botelho, treinador das seniores e coordenador técnico do clube. Durante uma década, trabalhou apenas na formação, abrindo progressivamente novos escalões. “Fizemos um bom trabalho: em dez anos passámos de uma equipa que não tinha nada a dominar o basquetebol nos Açores e a meter jogadores nas selecções nacionais”, analisa agora o técnico micaelense, de 51 anos. 

Faltava lançar o escalão sénior. Devido a um acordo de cedência de direitos desportivos com o União Micaelense (clube que fechou a secção de basquetebol) criaram o escalão em 2012-13 e passaram logo a competir na I Divisão — que, apesar do nome, equivale à II Liga. No ano de estreia, foram campeãs e garantiram a promoção ao escalão principal, terminando essa época em terceiro lugar. “Foi tudo muito rápido, o nosso objectivo era apenas a manutenção”, confessa Ricardo Botelho, revelando que a boa classificação significou uma mudança de paradigma: “Aí percebemos que era possível ter uma equipa a disputar as decisões e passámos a tentar chegar ao título”. 

Foto
Rui Soares

Dito e feito: desde 2014-15, em quatro campeonatos só não ganharam um (2016-17). Aos troféus de campeãs nacionais, juntam-se uma Taça de Portugal (em 2016-17), três Supertaças (2016-17, 2017-18 e já no início desta temporada) e duas Taças Vítor Hugo (2015-16 e 2017-18).

“Não há espaço para errar”

A receita para as conquistas radica em três ingredientes: “Bom scouting, uma gestão financeira rigorosa e trabalho duro são os pilares do nosso sucesso”, revela Ricardo Botelho, que procura “preparar bem a época, com calma”, até porque “como há pouco dinheiro, não há espaço para errar nas contratações”. 

Ricardo é, desde de há cinco anos, o único dirigente profissional do clube, tendo deixado para trás o emprego nos CTT que conciliou com o basquetebol durante 24 anos. Treinador há 34 anos nos Açores, sabe que ter um plantel com “cinco ou seis jogadoras profissionais” e treinar “três dias por semana, de manhã e de tarde”, são condições “que muitas equipas do continente não têm”. 

Uma das profissionais do plantel é Sara Djassi, 29 anos e capitã de equipa. “Comecei a jogar basket com 15 anos”, desvenda, referindo-se ao clube da Escola Secundária da Amadora. Ganhou o gosto pela modalidade e, a dada altura, o objectivo passou a ser entrar numa universidade nos Estados Unidos (EUA) para conseguir fazer carreira. “Foi muito difícil, mas consegui entrar numa universidade da Flórida”, revela a atleta que rumou aos EUA sem saber inglês e que no primeiro exame só conseguiu “escrever o primeiro e último nome”. Como não queria perder a bolsa, dedicou-se a fundo: “Estudei bastante, não ia a festas, o meu foco era só estudar e jogar”. 

Foto
Rui Soares

Chegou ao União há três épocas, depois de passagens por Espanha, pelo CDB Clarinos e CB Adereva Tenerife. “Hesitei muito, nunca tinha estado nos Açores, mas sabia que não tinha nada a ver com o meu estilo de vida. Vim sem saber se ia ser o melhor”. Actualmente, assegura que não se arrepende. “O que me fez mesmo continuar foi a relação das pessoas no clube, fui muito bem recebida e percebi logo que o clube era como uma família”. Uma família que faz do isolamento da ilha um laço de união. “Somos um grupo pequeno, muitas num sítio que não conhecem, o que só nos faz unir mais”, diz a capitã, revelando que estão “quase sempre juntas, em casa umas das outras, a combinar convívios e passeios”.

“Os custos da insularidade”

Mas nem todas as jogadoras arriscam. Mesmo sendo o União Sportiva o campeão em título, as contratações não são fáceis. O presidente do clube, André Amaral, explica porquê: “Enquanto a maior parte dos clubes só assume o salário, nós, se as quisermos, temos de pagar casa, transporte, viagens de avião”, enumera. “E o orçamento é reduzido, são os custos da insularidade”. 

Insularidade que também não permite uma aposta consistente na formação, porque muitas atletas se mudam para o continente, para completarem os estudos, assim que atingem os 18 anos: “Conseguimos ter títulos na formação e formar jogadoras, mas depois é complicado integrá-las nas seniores. Quando estão na altura de contribuir mais, vão-se embora”, lamenta o dirigente, de 40 anos, profissional de marketing e treinador dos sub-14 masculinos.

Foto
Rui Soares

O orçamento para as seniores femininas nesta época ronda os 130 mil euros. Mas, critica Ricardo Botelho, poderia ser mais, caso o Governo Regional dos Açores não discriminasse por sexo os apoios concedidos às equipas masculinas e femininas. No caso do basquetebol, o valor atribuído ao Lusitânia (a outra equipa da região) foi de 126 mil euros, enquanto o União Sportiva arrecadou 38 mil. “É uma injustiça, porque uma equipa que tem muito mais visibilidade recebe um quarto do que recebem os masculinos”, lamenta Ricardo Botelho, que condena essa “disparidade gritante” no desporto português.

Nada que retire ambição à equipa, que nesta temporada já foi eliminada da Eurocup (competição na qual, há três épocas, conseguiu a melhor prestação de sempre de um clube português) e ocupa o segundo lugar do campeonato, a dois pontos da Quinta dos Lombos. “Nas competições europeias, demos réplica em todos os jogos, mesmo com equipas com orçamentos muito superiores”, afirma o treinador, que assegura ter “uma equipa competitiva, com o objectivo de discutir todos os títulos".

"Vamos lutar até ao fim para trazer mais êxitos para o nosso clube e para a nossa região”, enfatiza Ricardo Botelho. Sentimento partilhado por Sara Djassi: “Não sentimos pressão, não temos nada a provar, nem estamos obcecadas, mas temos os nossos objectivos bem claros. Ninguém quer competir só por competir”.

Sugerir correcção
Comentar