E se Trump for mesmo um espião russo?

Não têm fim os hipotéticos cenários para as teorias da conspiração veiculadas pelas redes sociais.

Trump espião russo? Salvini e Orbán marionetas de Putin ou o “Brexit” um cenário montado por Moscovo com o objectivo de lançar o caos na Europa? Já agora, Rio e Montenegro agentes de Costa para enfraquecer o PSD e dar ao PS a maioria absoluta? Não têm fim os hipotéticos cenários para as teorias da conspiração veiculadas pelas redes sociais e devoradas pelas multidões de novos toxicodependentes que as consomem e propagam. Vivemos num mundo onde parece cada vez mais difícil distinguir entre as fake news e as notícias verdadeiras, tal é a escorregadia opacidade que se instalou entre a verdade e a mentira.

Retomemos então a hipótese de Trump ser um espião russo, aprisionado nas malhas da submissão a Moscovo desde os tempos em que se envolveu em negócios imobiliários, concursos de misses e televisão ou aventuras sexuais na Rússia. Se tivermos em conta o padrão de comportamento de Trump, a desafiar permanentemente os limites da verosimilhança (ou da anedota delirante), essa hipótese acaba por aparecer como credível – sem esquecer o que se sabe das suas embaraçosas relações com Putin.

Aliás, no início da semana passada o New York Times referia que a guerra que Trump trava pela sua sobrevivência política faz com que o shutdown mais longo da história americana pareça reduzir-se a uma questão menor – sendo o pano de fundo dessa guerra os laços altamente comprometedores do Presidente americano com Moscovo.

Paradoxalmente, o raríssimo desmentido feito anteontem pelo procurador especial Robert Mueller a uma nova notícia que envolvia Trump nesse enredo mais parecia uma manobra táctica para mostrar a independência de julgamento do procurador (encarregado do inquérito às suspeitas de interferência russa na campanha presidencial a favor do candidato republicano) do que um efectivo desmentido.

Ora, se o próprio Presidente da maior potência global – apesar de se tratar de uma personagem tão inverosímil como Trump, o que já diz muito sobre o estado a que o mundo chegou – pode estar refém da sua dependência em relação à Rússia, isso não legitimará as teorias de conspiração que hoje tendem a propagar-se por meio das redes sociais? Por outro lado, quando os tenores do populismo através do mundo – e da Europa – se permitem espalhar aos quatro ventos as mais grosseiras distorções da verdade factual e são acolhidos por multidões de fiéis sedentos dessas mistificações, isso não será também um sinal de que as democracias estão em risco?

Num estudo da Universidade de Cambridge referido pelo Expresso em Novembro passado e na penúltima edição do magazine francês Obs, os dados recolhidos em nove países, incluindo Portugal, revelam uma inquietante vulnerabilidade às fake news e teorias conspirativas, que evoluíram de uma questão marginal para um fenómeno mainstream – segundo um dos autores do estudo, Hugo Leal. Curiosamente, Portugal é o país menos receptivo a essas teorias (onde predomina o tema migratório), embora seja aquele onde mais se acredita que um grupo secreto governa o mundo (42 por cento das opiniões) e que haverá sempre uma elite a sobrepor-se ao poder dos eleitos.

A velha sentença de Churchill – segundo a qual a democracia é um regime péssimo mas todos os outros são piores – nunca terá sido tão pertinente como agora. Ora, para além da necessária regulação da selva das redes sociais, a única verdadeira solução para não nos deixarmos render ao império das teorias conspirativas está em nós, no nosso instinto vital democrático, na nossa capacidade de resistir à toxicodependência mediática e de distinguir o verdadeiro do falso. O que é, convenhamos, cada vez mais problemático, quando as duas dimensões se misturam e a irrealidade de Trump ser um espião russo se pode revelar simplesmente…real.

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