Os males do menor esforço...

Os Direitos Humanos, o conhecimento, a Educação, a sustentabilidade, dão trabalho e qualquer “menor esforço” é certamente um convite ao retrocesso e ao desrespeito dos valores que mais devemos prezar para sermos uma sociedade humana.

Não há muito tempo falei com uma jovem que estava a querer montar um móvel que tinha comprado para o seu quarto. Perante a dificuldade de entender como se montava o “puzzle”, eu aconselhei-a a consultar o manual. A resposta foi certeira: “Manual? Ainda se fosse automático...” Esta resposta lembra-nos a famosa – ainda que não científica – “lei do menor esforço” que nos diz que qualquer coisa que custe menos esforço a fazer tem probabilidade de ser usada mais frequentemente do que algo que exija um esforço maior.

A existir – e parece que existe mesmo –, esta lei parece só trazer boas notícias? Será que alguém, podendo fazer algo de forma fácil, vai optar por fazer essa mesma coisa de uma forma mais complicada, mais demorada e difícil? A resposta parece óbvia: não. Uma parte muito significativa dos avanços tecnológicos ao longo da história da humanidade teve exatamente a preocupação de encontrar forma de executar tarefas de forma mais simples, mais rápida e menos penosa. Seriam incontáveis os benefícios que se obtiveram com estes avanços tecnológicos: quanto trabalho penoso, repetitivo foi evitado permitindo libertar muitos trabalhadores dos horários de trabalho “de sol a sol”.

É notável a forma como aderimos e nos adaptamos ao menor esforço. Depois de termos experimentado como se pode fazer uma dada tarefa com um esforço menor, ou de forma automatizada, sempre nos parece penoso e difícil retomar a forma “manual” – e subitamente vista como mais complexa – de executar essa tarefa. Parece que para além de estamos predispostos para a “lei do menor esforço”, estamos sistematicamente a ser convencidos dos benefícios que este menor esforço trará à nossa vida, nomeadamente quando nos liberta do trabalho para “as coisas importantes”.

Mas será que toda esta poupança de energia, de tempo e trabalho, esta automatização de procedimentos que antes tinham que ser pensados e pilotados, é sempre positiva? Talvez não e procurarei ilustrar com três exemplos:

Quais serão as consequências do “menor esforço” na aquisição de conhecimentos? Este é um tema particularmente sensível no campo da Educação, onde se defrontam conceções muito diferentes sobre a forma como se adquirem conhecimentos. Uma, mais tradicional, defendendo o estudo, a leitura, o aprofundamento e a imprescindibilidade do comprometimento e motivação pessoal; outra que promove o conhecimento mais rápido e superficial, de “copy-paste” de sites da internet, um conhecimento feito de resumos que “contam a história”, “o que interessa”, de um romance em meia folha de A4. Estas duas perspetivas continuam a procurar supremacia e são, talvez, uma das questões que mais afeta a opinião que os alunos têm da escola e a que os professores têm dos alunos. O certo é que o conhecimento – nomeadamente através das plataformas digitais – permite um acesso muito mais simples, muito mais imediato e diversificado do que as plataformas que muitos dos professores usaram e que continuam a considerar como as mais confiáveis e seguras.

No consumo verificamos também o quanto poderá ser prejudicial a perspetiva do “menor esforço”. Tudo no mercado está pensado e planeado para seduzir o consumidor através da simplicidade. “Abertura fácil”, “preparação instantânea”, “pronto a usar”, são slogans omnipresentes. Mas o certo é que este esforço de tornar sedutor e imediato o consumo, isto é, de ser consumido segundo a lei do menor esforço, pode trazer prejuízos ao esconder as verdadeiras características do produto, e ainda a hipertrofiar o seu aspeto em detrimento da sua racionalidade e sustentabilidade. O que se adquire de mais rápido é frequentemente o que não é uma compra razoável e sustentável.

O “menor esforço” na sociedade é igualmente um assunto preocupante. As formas simples de resolver as questões sociais são as que têm mais procura para resolver problemas complexos da sociedade. Um exemplo: o movimento de extrema-direita Vox, que recentemente obteve uma votação na Andaluzia que lhe permitiu chegar ao governo da região autónoma, defende que a educação seja separada por sexos tal como existia há muitos anos: escolas para rapazes e escolas para raparigas. Esta ideia persegue o “menor esforço” através da procura da homogeneidade. Trata-se de “menor esforço” porque, se conseguíssemos grupos completamente homogéneos, isso permitiria ensiná-los economizando o esforço de personalizar e diferenciar a aprendizagem e o ensino. E, assim, esta primeira divisão entre rapazes e raparigas prenuncia outras divisões talvez de alunos com deficiência e sem deficiência, de alunos com credos religiosos diferentes, talvez mesmo escolas diferentes para alunos que mostrem capacidades e competências diferentes. Ao abdicar de uma perspetiva inclusiva, estes movimentos ideológicos procuram a perfeição à sua maneira – seguindo a lei do “menor esforço”.

Quando acabamos de comemorar os 70 anos da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, caberia lembrar que a Educação “deve promover a amizade entre todos” (art. 26.º) e, assim, estas ideias de “menor esforço” e de “decisão óbvia e pragmática” podem esconder – por ignorância real ou premeditada – o menosprezo da complexidade que os fenómenos humanos têm por inerência. Encolher o esforço pode levar também a um encolhimento dos Direitos, na medida em que só consigo menos esforço de amputar a compreensão da realidade de aspetos essenciais.

É que os Direitos Humanos, o conhecimento, a Educação, a sustentabilidade, dão trabalho e qualquer “menor esforço” é certamente um convite ao retrocesso e ao desrespeito dos valores que mais devemos prezar para sermos uma sociedade humana. Humana para todos.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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