Vara terá condições num ano e meio para pedir para ficar preso em casa

Nada obriga os tribunais a aceitarem esse pedido, podendo o ex-ministro ser obrigado a cumprir a pena de cinco anos de prisão na totalidade. Três meses de prisão domiciliária cumpridos na Operação Marquês podem ser descontados à pena.

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Hugo Rainho/Correio da Manhã

O ex-ministro socialista Armando Vara, que se entregou pouco depois das 16h30 desta quarta-feira na cadeia de Évora para cumprir uma pena de prisão de cinco anos no âmbito do processo Face Oculta, pode pedir para ficar preso em casa daqui a cerca de ano e meio. Tal poderá ser feito no âmbito da chamada adaptação à liberdade condicional. E até pode ocorrer mais cedo, se os tribunais decidirem descontar os três meses de prisão domiciliária a que o antigo governante esteve sujeito no âmbito do Operação Marquês aos cinco anos de cadeia que está a cumprir no Face Oculta.

Nada obriga, contudo, os tribunais a aceitaram que Vara fique preso em casa ou, mais tarde, a decretar a sua liberdade condicional, podendo, em abstracto, o antigo governante ser obrigado a cumprir a totalidade da pena na prisão. Tal não é, contudo, comum. 

“A prisão domiciliária a que foi sujeito no âmbito do processo Marquês pode ser descontada no âmbito do cumprimento de pena do Face Oculta, sublinhou Nuno Brandão, professor de Direito Penal da Universidade de Coimbra. Isso, explica, está previsto no artigo 80 do Código Penal.

O professor universitário e também advogado nota, contudo, que esse desconto tem que ser decidido pelo tribunal que condenou o arguido, neste caso, o Tribunal de Aveiro. “Há um acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo que determina expressamente que o desconto deve ser feito independentemente de haver uma decisão final na Operação Marquês”, acrescentou o docente universitário.

Nuno Brandão realça, no entanto, que se Vara for condenado na Operação Marquês a cumprir pena efectiva de cadeia, os três meses que esteve em prisão domiciliária não poderão ser novamente descontados. O desconto funciona na prática como se Vara já tivesse cumprido três meses de cadeia.

Uma magistrada com vários anos de experiência nos tribunais de execução de penas confirmou que a adaptação à liberdade condicional pode ser concedida um ano antes da primeira análise da liberdade condicional, que ocorre de forma automática a meio da pena, ou seja, neste caso após cumpridos dois anos e meio de cadeia. No entanto, a magistrada sublinha que os requisitos que têm de ser preenchidos são muito alargados, tornando, pouco provável, que este tipo de prisão domiciliária seja determinado num caso de corrupção que provocou tanto alarme social.

Para aceitar a prisão de Vara em casa, o Tribunal de Execução de Penas de Évora, onde o seu caso será analisado, terá que considerar que a saída da cadeia é “compatível com a defesa da ordem e da paz social”. E, além disso, considerar de forma fundamentada que “atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão”, o condenado “uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”.

Pode recorrer para a Relação

Se o Tribunal de Execução de Penas de Évora rejeitar a ida de Vara para casa, este poderá recorrer para o tribunal da Relação. Mas a liberdade condicional só será apreciada cumpridos dois anos e meio de prisão. De qualquer forma, os requisitos para conseguir obter a liberdade condicional são os mesmos do que os da tal adaptação, o que torna igualmente difícil que um tribunal autorize a sua saída da cadeia a meio da pena.

Só cumpridos 40 meses, ou seja, daqui a três anos e quatro meses, se tornará mais fácil ao ex-ministro obter a liberdade condicional. “A partir do momento em que se cumprem dois terços da pena o tribunal já só tem que avaliar se há risco do condenado reincidir ou não. Nessa altura presume-se que as necessidades de prevenção geral já estão acauteladas”, acrescenta Nuno Brandão.

Mas, mesmo assim, realça a magistrada ouvida pelo PÚBLICO, os tribunais de execução de penas não estão obrigados a determinar a liberdade condicional, podendo Vara ser obrigado a cumprir a totalidade da pena. A especialista admite, contudo, que tal não é comum.

Na passada segunda-feira, a juíza do Tribunal de Aveiro que tem o caso nas mãos, Marta Carvalho, deu três dias ao antigo governante para se apresentar numa cadeia, um prazo que só terminava na quinta-feira, confirmou o PÚBLICO junto daquela instância. 

Vara optou por não deixar esgotar o limite, apresentando-se esta quarta-feira no Estabelecimento Prisional de Évora acompanhado pelo seu advogado Tiago Rodrigues Bastos.

À saída do carro, o ex-ministro foi bombardeado com as perguntas de vários jornalistas que o esperavam à porta da cadeia e que o interrogaram sobre a sua inocência. “Não há nenhuma prova que possa dizer o contrário com segurança. Este é um momento difícil”, disse Vara enquanto tentava passar com dificuldade face à insistência das perguntas dos repórteres no local. “Peço desculpa, mas eu já disse tudo o que haveria para dizer sobre isto.”

Depois de deixar o cliente, Tiago Rodrigues Bastos assumiu que este "não é um dia feliz na carreira de um advogado" e lamentou o mediatismo e o voyeurismo à volta da entrada do cliente na prisão.

Prisão sobrelotada

O Estabelecimento Prisional de Évora tem uma capacidade para 35 pessoas, mas, segundo a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), albergava esta quarta-feira 41 reclusos. Esta cadeia destina-se a pessoas que exerceram funções em forças ou serviços de segurança ou que necessitem de especial protecção.

 “As instalações prisionais têm uma estrutura arquitectónica em forma de L com dois pisos destinados a espaços celulares. Todos estão providos de instalações sanitárias”, descrevem os serviços prisionais, numa resposta enviada ao PÚBLICO. A cadeia dispõe ainda de bar, refeitório, sala de convívio, gabinete médico, biblioteca e sala multiusos destinada a acções de formação. “Tem igualmente um pequeno ginásio equipado com máquinas de musculação e um pátio exterior que também permite a prática de actividades desportivas”, continua a DGRSP.

A pena de cinco anos de prisão que Vara começou esta quarta-feira a cumprir foi determinada por um colectivo de juízes de Aveiro em Setembro de 2014, uma condenação confirmada, em Abril de 2017, pelo Tribunal da Relação do Porto. A defesa ainda tentou recorrer, sem sucesso, para o Tribunal Constitucional.

No caso Face Oculta ficou provado que, a pedido do empresário das sucatas Manuel Godinho, Vara exerceu influência junto de Mário Lino, ex-ministro das Obras Públicas, para destituir a secretária de Estado Ana Paula Vitorino e o presidente do conselho de administração da Rede Ferroviária Nacional, Luís Pardal, com quem o empresário mantinha um diferendo. Em contrapartida, Vara recebeu de Godinho 25 mil euros e várias prendas.

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