A propósito da zaragata instalada no PSD

São cada vez mais as vozes críticas contra os partidos tradicionais, críticas essas provenientes de vários quadrantes da sociedade, culpando a profissionalização da política e as suas tendências oligárquicas.

Já começou a contagem decrescente para as eleições europeias e legislativas, dando origem a tensões, reivindicações de lugares e discussões sobre os critérios de seleção. A zaragata que se instalou no PSD é um exemplo triste de uma luta fratricida pela conquista de lugares na política.

Recorde-se que a “escolha clientelar” está na origem da exclusão dos melhores quadros e é responsável pela ascensão de muitos daqueles que vemos chegar a posições de destaque, aos quais nunca, por talento e capacidade, deveriam ter ascendido. Ninguém devia ocupar um lugar político sem ter uma profissão, à qual possa voltar em qualquer momento, pois só assim será independente relativamente ao “chefe”, permitindo-lhe dizer “não” e abandonar o cargo, quando as circunstâncias o exigirem. Enquanto nos partidos existir gente que precisa do partido para sobreviver não será fácil fazer a desejada abertura à sociedade civil, pois estes tudo farão para impedir essa abertura, com receio de perderem o emprego.

São estes políticos sem emprego que favorecem o “caciquismo”, pondo em causa o regime democrático e representativo que se traduz na delegação do poder soberano do povo em personalidades supostamente competentes e democratas, interpretando o sentir da população e respondendo às suas aspirações. Infelizmente, alguns partidos favoreceram e continuam a favorecer a criação de oligarquias que se instalaram no poder e começaram a monopolizá-lo em seu proveito, como se verifica pelo elevado número dos que estão a contas com a justiça.

São cada vez mais as vozes críticas contra os partidos tradicionais, críticas essas provenientes de vários quadrantes da sociedade, culpando a profissionalização da política e as suas tendências oligárquicas, inviabilizando a renovação, bem como a existência de corrupção no exercício da atividade política, que tem conduzido a uma cada vez maior desconfiança entre os cidadãos e a vida político-partidária. É absurdo pensar-se que a democracia é um fim inultrapassável da história. Ela é fruto de um processo de maturação e de aperfeiçoamento.

Com base nas tendências corruptoras do poder, os estudiosos do fenómeno político defendem que a permanência no poder, em si mesma e durante muito tempo, é um fator de corrupção. Daí a necessidade de se limitar essas tendências corruptoras através da limitação dos mandatos, da fiscalização das oposições e da justiça criminal. Mas, a fiscalização dos governantes e dos seus atos, mesmo através da justiça, tem-se mostrado manifestamente ineficaz, como comprova a falta de resultados punitivos dos inquéritos, levando muitos a pensar que estamos perante uma “justiça espetáculo”.

Por isso, são cada vez mais os países democráticos nos quais se tem generalizado a ideia segundo a qual importará evitar uma longa permanência no exercício do poder. E parece que com resultados satisfatórios. Para defesa de tal ideia, chamam à colação os princípios democráticos da ética e da transparência, bem como o princípio republicano da rotatividade e alternância dos cargos políticos, de modo a travar as redes de influência que se vão tecendo ao longo dos tempos.

Deste modo, os partidos têm perdido os seus princípios éticos e doutrinários para se converterem em “clubes de amigos”, onde as simpatias e a “solidariedade” pessoal prevalecem sobre crença na bondade dos princípios democráticos. Os militantes são meros aderentes, limitando a sua intervenção cívica apenas à eleição dos “chefes”, algumas vezes, mesmo que estes já tenham dado provas abundantes de incompetência e desprezo pelos chamados valores republicanos.

De acordo com as leis vigentes, pode afirmar-se que os eleitores já não elegem os deputados ou os autarcas, limitando-se a ratificar as escolhas impostas pelos diretórios partidários, porquanto essas escolhas são feitas em “circuito fechado”, sem a participação dos militantes de base e dos cidadãos em geral. Nesta perspetiva, a nossa democracia defronta-se com graves défices de representação, estando em causa a sua sustentabilidade, como o comprova o aumento constante da abstenção eleitoral.  Por isso, há que pôr cobro a esta captura do poder político mediante novas regras e seguir pelo caminho do pluralismo e abertura dos partidos contra o unanimismo acrítico, pela modernização das estruturas, transparência de processos e ética nos comportamentos.

Como muito bem avisou o Presidente Marcelo, na sua mensagem de Ano Novo: “aqueles que decidirem ser candidatos nos três próximos atos eleitorais que avaliem, cuidadosamente, o seu trajeto de vida passado e procurem, minuciosamente, se até aí não cometeram qualquer falta de que venham mais tarde a arrepender-se”.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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