Cannabis recreativa fica pelo caminho: autocultivo faz PSD votar contra e PS abstém-se

Bloco insiste que o seu projecto deverá ser votado no plenário desta sexta-feira.

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O PSD bem desafiou o Bloco de Esquerda a fazer baixar sem votação, na sexta-feira, o seu projecto de lei sobre a legalização da cannabis para uso recreativo de forma a "prosseguir o debate" mas os bloquistas permanecem irredutíveis. Querem que o seu diploma seja votado, mesmo sabendo que assim irá ser chumbado, confirmou ao PÚBLICO fonte do Bloco, olhando com desconfiança este estender de mão do PSD.

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O PSD bem desafiou o Bloco de Esquerda a fazer baixar sem votação, na sexta-feira, o seu projecto de lei sobre a legalização da cannabis para uso recreativo de forma a "prosseguir o debate" mas os bloquistas permanecem irredutíveis. Querem que o seu diploma seja votado, mesmo sabendo que assim irá ser chumbado, confirmou ao PÚBLICO fonte do Bloco, olhando com desconfiança este estender de mão do PSD.

Questionado pelo PÚBLICO, o PAN confirmou que também submeterá o seu projecto de lei a votos.

As contas são fáceis de fazer: à esquerda, o PCP vota contra e o PS abstém-se. À direita, o CDS também vota contra, e o PSD vota contra por causa da questão do autocultivo. Mas o deputado social-democrata Ricardo Baptista Leite, autor de uma moção ao congresso do PSD de há um ano em que defende a necessidade da legalização do consumo recreativo da cannabis, ainda desafiou o Bloco a fazer baixar a sua iniciativa sem votação para fazer um "debate técnico sério" e a trabalhá-la em comissão de forma a retirar a possibilidade de autocultivo.

Ao PÚBLICO, o deputado Ricardo Baptista Leite diz mesmo que no PSD se continua a "reflectir sobre a proposta que foi aprovada no congresso e não se exclui a hipótese de apresentar um projecto de lei" próprio. Até pode ser mesmo nesta legislatura, assim decidam a direcção do partido e do grupo parlamentar.

No debate, o bloquista Moisés Ferreira argumentou que um "país responsável não deixa que sejam os traficantes a definir as regras de produção, de acesso e de consumo" e que a ilegalidade do consumo é o "paraíso dos traficantes".

Por isso, justificou, não se pode ignorar que em Portugal há meio milhão de consumidores regulares de cannabisque a maior parte do consumo não é informado. O deputado do Bloco vincou não ser possível continuar a "varrer para debaixo do tapete" o assunto e manter a "hipocrisia" de nada fazer. Acrescentou que a legalização é a "solução responsável" e que promove a segurança, a saúde e o consumo informado, porque obedece a regras de controlo da produção, da distribuição e do consumo.

O Bloco propõe que a venda de cannabis seja feita em estabelecimentos autorizados para o efeito, apenas a maiores de 18 anos, no máximo para 30 dias de consumo, permite-se o auto-cultivo de até cinco plantas e a droga é sujeita a um imposto especial sobre o consumo (como o tabaco e o álcool).

O deputado do PAN subiu à tribuna para defender o seu diploma para o uso "adulto, livre e informado" da cannabis, que só deve ser vendida em farmácias, a maiores de 18 anos desde que residentes em Portugal, e também num máximo de 30 doses médias diárias - que dá 75 gramas. Permite-se o auto-cultivo de até seis plantas e todo o processo de produção, distribuição e venda é alvo de registo.

André Silva argumentou ser preciso reflectir se a proibição total da venda de cannabis é a melhor forma de reduzir o consumo já que o actual quadro só potencia o tráfico e as vendas sem controlo da qualidade do produto, nomeadamente dos níveis de Tetrahidrocanabinol (THC).

O PS, através do deputado e cientista Alexandre Quintanilha, insistiu na argumentação de que não há ainda estudos suficientes sobre as escassas e recentes experiências de legalização no Canadá, Uruguai e alguns estados dos Estados Unidos da América. E lembrou que a lei para o uso medicinal da cannabis é muito recente, assim como as experiências internacionais. “Por isso gostaríamos de ser mais prudentes e de ter tempo para acumular dados mais fiáveis que ajudem a avaliar com mais confiança o impacto destas medidas”, disse, optando pelo princípio da “precaução”.

O deputado realçou que a discussão do uso recreativo da cannabis é "pertinente" mas lembrou que os estudos sobre os seus efeitos demoram tempo e que existem poucos - por exemplo, não os há sobre o efeito em grávidas ou em jovens ou sobre a capacidade regenerativa dos tecidos cerebrais; ou ainda sobre as consequências comportamentais para os jovens com menos de 18 anos e a sua opção por outras drogas.

O deputado Paulo Trigo Pereira, eleito pelo PS mas que abandonou a bancada socialista, fez uma curta intervenção em que seguiu os argumentos do partido e lembrou que o uso recreativo não constava do programa eleitoral. Sendo um “liberal social, esquerda moderada”, considera que não deve ser a lei a proibir a produção e o consumo “moderado” de cannabis mas sim cada cidadão, pelo que o caminho é para a liberalização. Lembrou que se a cannabis aumenta a probabilidade de surtos psicóticos, o tabaco aumenta a do cancro no pulmão, mas o nível de toxicidade da primeira é mais baixo.

Contrariando o PCP, a deputada Heloísa Apolónia mantém a abstenção dos Verdes e defendeu que os avanços devem ser feitos com “cautela” e que o Parlamento deve fazer o debate sobre a legalização acompanhado de uma estratégia para a redução do consumo. Já a comunista Carla Cruz aproveitou para acusar o Bloco de ter em mente a “legalização total” da cannabis quando quis discutir o uso medicinal já que nem sequer este está a ser aplicado ainda. “O consumo não é inócuo”, apontou a deputada, já que interfere no estudo, na actividade laboral e na condução de máquinas e veículos, e tem-se verificado um aumento do consumo abusivo e frequente e também do nível de dependência.

Sob protestos de “proíbam tudo” vindos do Bloco, a intervenção da centrista Isabel Galriça Neto foi no sentido de criticar as propostas, embora recusando a ideia de “preconceito ou capricho”. Citou diversas entidades de saúde e da área da droga para vinca não haver qualquer “evidência de benefício do consumo ou do auto-cultivo”, afirmou-se preocupada com a “saúde pública” e recusou qualquer negócio a partir das drogas.