UE admite fazer ajustes na declaração política para concluir processo do "Brexit"

Bruxelas aumenta pressão sobre Londres, mas estende um ramo de oliveira: se os britânicos mudarem as suas linhas vermelhas, a UE está "pronta para acompanhar essa evolução"

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Michel Barnier disse em Estrasburgo que a UE pode rever a declaração política se o Reino Unido mudar as suas linhas vermelhas negociais PATRICK SEEGER/EPA

Esperar por esclarecimentos. É tudo o que Bruxelas pode fazer, assegurou Michel Barnier, o negociador-chefe da UE para o "Brexit". Nesta fase, “não há nada que a União Europeia possa dizer ou fazer” a não ser esperar que o Reino Unido, pela voz do seu Governo e do seu Parlamento, esclareça como pretende concluir o processo de negociação do “Brexit” após o dramático chumbo do acordo de saída por uma larga maioria dos deputados britânicos."

Mas deixou um aviso aos deputados britânicos: com a sua decisão, a hipótese de uma saída abrupta e desregrada do Reino Unido da União Europeia aumentou de forma considerável. “Nunca o risco de um no-deal pareceu tão elevado”, resumiu Barnier.

Pela voz do experiente diplomata francês, do porta-voz do executivo comunitário, de vários governantes europeus e alguns dos eurodeputados mais influentes em Estrasburgo, a União Europeia enviou uma mensagem curta e grossa aos decisores políticos britânicos: a responsabilidade e a pressão para um desfecho positivo do processo do “Brexit” está exclusivamente do vosso lado. “Por favor, por favor, digam-nos de uma vez por todas o que pretendem fazer”, implorou o alemão Manfred Weber, líder da bancada parlamentar do Partido Popular Europeu e candidato à liderança da Comissão nas eleições de Maio.

No debate em plenário em que recusou especular sobre “todas as consequências” do voto da Câmara dos Comuns e “os diferentes cenários” para ultrapassar o impasse político, Michel Barnier abriu a porta à revisão de alguns dos termos do “Brexit” negociados por Londres e Bruxelas para a sua relação futura, após a ratificação do acordo de saída. “Sempre dissemos que se o Reino Unido movesse as suas linhas vermelhas e quisesse ir mais além de um mero acordo de livre comércio, a UE estaria pronta a acompanhar esta evolução e responder de forma positiva”, afirmou.

Mais tempo?

Essa abertura foi confirmada em várias capitais europeias, embora os líderes não queiram para já falar abertamente em ajustes ou na revisão do texto da declaração política que serve de enquadramento à negociação da relação futura entre os dois blocos, após o “Brexit”. Nos contactos que Jean-Claude Juncker manteve "com quase toda a gente" esta quarta-feira, foi claro que esse é um trunfo a ser jogado, mas nunca antes de se conhecer o plano do Governo britânico para levar as conversações por diante.

Como os dirigentes europeus, Barnier insistiu que a disponibilidade da UE não passa pela renegociação do acordo de saída, que continua a ser “o melhor compromisso possível” e o único documento capaz de garantir “segurança jurídica” perante as incertezas do “Brexit”. Segurança para os cidadãos europeus e britânicos, para os beneficiários dos fundos europeus, para as empresas e as administrações públicas, e ainda “segurança e estabilidade para a ilha da Irlanda, onde o regresso de uma fronteira física foi evitado graças a uma solução que preserva a integridade do Reino Unido e do mercado único no respeito pelo Acordo de Sexta-feira Santa”, enumerou o negociador da UE.

Em França, o Presidente Emmanuel Macron sublinhou que os britânicos estavam enganados se pensavam que, confrontados com o precipício a 29 de Março, os europeus iriam prescindir dos seus princípios e aceitar fazer concessões ao acordo negociado.

Em Berlim, a chanceler Angela Merkel manifestou a sua preocupação com o impacto negativo do “Brexit” e ao mesmo tempo a sua convicção de que ainda é possível evitar o pior cenário. “Certamente o ‘Brexit’ trará muitos prejuízos e queremos limitá-los tanto quanto possível. Por isso continuaremos à procura de uma solução para a saída ordenada. Aguardemos as indicações de Londres”, recomendou.

Enquanto essas indicações não chegam de Londres, os 27 Estados-membros vão acelerar os seus preparativos para cenário do no-deal. “Temos a responsabilidade de ser lúcidos e intensificar os nossos esforços para estar preparados para essa eventualidade”, frisou Barnier.

O porta-voz da Comissão Europeia, Margaritis Schinas, lembrou que Bruxelas já divulgou dezenas de comunicações e produziu propostas legislativas para evitar o caos e mitigar os prejuízos mais imediatos de um “Brexit” desorganizado. “Estamos em contacto permanente com os Estados-membros, que estão a trabalhar nos seus próprios planos de contingência. As questões que se colocam em cada país são diferentes, nem todos vão sentir [o impacto] com a mesma intensidade”, observou.

Questionado sobre a resposta da UE a uma eventual extensão do artigo 50 pelo Reino Unido, o porta-voz da Comissão limitou-se a notar que tal pedido não foi ainda feito por Londres e que apesar dessa possibilidade existir no tratado, teria de haver uma razão muito forte para que os 27 aceitassem adiar a data do “Brexit”.

No hemiciclo de Estrasburgo, vários eurodeputados defenderam o adiamento, enquanto outros apontaram os problemas dessa opção. O chefe da bancada dos liberais e líder do comité de acompanhamento do “Brexit”, Guy Verhofstadt, disse compreender que o Reino Unido precisa de mais tempo para resolver os seus problemas políticos internos, mas considerou “impensável” prolongar o artigo 50 para além das eleições europeias.

Na sequência de vários alertas da federação de agricultores ou das associações industriais da Alemanha, o ministro da Economia, Peter Altmeier, disse que, “se necessário, a UE poderia conceder mais tempo para que o Parlamento britânico pudesse chegar a uma posição clara. Pessoalmente, vejo esse pedido como muito razoável”.

Mas, como advertiu a ministra francesa dos Assuntos Europeus, Nathalie Loiseau, os 27 terão de ser cuidadosos na sua avaliação, se Londres vier a avançar nesse sentido. “É uma hipótese jurídica, mas para fazer o quê? Se for para argumentar que os europeus têm de fazer mais concessões, então não vale a pena”, afirmou.

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