Nível após nível, André Guilhoto vai subindo no ranking de LoL — mas como treinador

A partir da Dinamarca, o treinador de esports desfiou as memórias recentes de um percurso sólido na modalidade — que se iniciou “por acaso”. André Guilhoto já passou pelo Schalke 04 e hoje comanda as tropas no League of Legends (LoL) da renascida equipa Origen.

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André Guilhoto Schalke 04

De miúdo dos videojogos a um dos treinadores de esports mais importantes do mundo, André Guilhoto foi-se tornando num "Mourinho dos desportos digitais". “Não foi uma decisão. Foi um crescimento orgânico.” Iniciamos a partida? Do inesperado se fez uma vida que pode fazer sonhar adeptos — e atletas — de esports; basta juntarmos infalíveis ingredientes narrativos. Os jogos começaram a fazer parte do lisboeta de 24 anos a partir do momento em que o primeiro computador se instalou lá em casa. Entretanto, os jogos online popularizaram-se dentro de um nicho. “Jogava Age Of Empires, Counter-Strike e League of Legends (LoL), mas sempre num registo casual”, explica. Tornar-se um celebrado jogador “nunca foi o objectivo”, que passava, antes, por completar o curso de Engenharia Informática, em Lisboa. “Para além disso, treinava basquetebol no Sporting”, acrescenta, ao telefone com o P3 a partir da Dinamarca, onde vive.

Depois, uma subida de nível — longe ainda de ser a maior. O salto para os esports deu-se na mesma posição; aliás, a sua experiência ao comando de uma equipa levou-o à competição nos videojogos, onde hoje é assunto para alimentar a imprensa especializada durante dias. Ou rumores, como quando ainda não havia certezas da chegada do treinador à equipa Origen. Mas isso já é lá fora, com passagens por Espanha e Alemanha. Voltemos, por instantes, aos primeiros passos: “O curso de Informática sempre foi muito receptivo a todo o tipo de jogos e, na altura, havia uma liga de universidades”, recorda. “Uns amigos queriam participar e pediram-me se os podia ajudar.” A partir desse momento, o trajecto fez-se em crescendo, “subindo de equipa em equipa”. É quase como se o caminho estivesse no mapa Summoner’s Rift (o maior mapa de LoL) e, a cada nível, um novo desafio.

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André Guilhoto é de Lisboa e tem 24 anos. DR

Primeiro, as portuguesas Electronic Generation e K1ck eSports Club; mais tarde, a Giants Gaming, em Espanha. Aí, fazer vida (e planos) como treinador de esports ganhou novos contornos: “Passei a receber dez vezes mais do que o que recebia em Portugal.” O investimento provou-se frutífero: levou a equipa à LCS (League of Legends Championship Series), onde há clubes que sobem e descem de divisão. É como o mais convencional dos desportos — e aqui também cabem subidas de divisão triunfais, bem como um mercado de transferências que move jogadores e treinadores. Como aconteceu com o Schalke 04, que o recebeu no relvado do Veltis-Arena com os restantes membros da equipa.

A rotina como sucesso — e o sucesso como rotina

Hoje, André é o treinador dos Origen, equipa que faz parte da empresa RFRSH e detém os Astralis, dinamarqueses que se sagraram campeões mundiais de CS:GO na última BLAST Pro Series (evento este que também é propriedade da empresa de esports). Os Origen, fundados no final de 2014 pelo atleta Enrique Cedeño Martinez (conhecido por xPeke), assegurou alguns sucessos, mas o projecto ficou inactivo em 2017. Agora, o objectivo é reconstruir a equipa e levá-la ao maior sucesso.

Antes de abraçar o novo desafio, André ainda teve tempo para ser considerado o Melhor Treinador do Split do LCS (cada temporada anual é dividida sazonalmente, daí o “split”). Para o conseguir, inspira-se no que foi aprendendo em experiências prévias: “O meu trabalho é igual a qualquer treinador e as tarefas são iguais às que tinha no basquetebol. O objectivo é criar boas rotinas e essa é uma parte sempre presente.” Mas é exactamente a mesma coisa? “A grande diferença é a quantidade de tempo que se passa com a equipa quando se treina um videojogo e tento incutir a responsabilidade de que a rotina é o melhor para o progresso”, explica. Por isso, os treinos são de segunda a sábado, das 13h às 21h — se bem que, “brevemente, de segunda a quinta”. O plano é simples: “Meia hora antes, reunimos para escolher objectivos e fazemos uma revisão à parte gráfica do jogo. Depois, jogam-se entre cinco e sete jogos contra outra equipa.” Tudo sem parar? “Não, ao terceiro jogo há uma hora de pausa. No final do dia, reunimos novamente para ver, então, se atingimos os objectivos.”

Além disso, os jogadores que chegam à Origen têm de “estar receptivos à ideia de existir uma parte física”. Ou seja, vão ao ginásio duas vezes por semana, fazem “trabalho físico específico” — e até há um treinador pessoal e um fisioterapeuta. A parte física está, aliás, envolvida na locomoção de toda a equipa: “Vamos todos para o trabalho de bicicleta.” É que a boa forma não pode ser descurada e não é porque os atletas estão sentados que lesões deixam de acontecer. Estão milhares de euros em jogo e as acções por minuto têm de estar em alta: a média de um jogador de topo é 400. 

Em Portugal, esta entrega não seria possível, sublinha. “Primeiro, quando o jogo é novo, é mais difícil ter-se certa credibilidade para as necessidades de um treinador. Depois, Portugal está ainda muito no início e os treinadores acabam por não existir tanto.” Isso tem um motivo: “Uma equipa pequena, com uma base também pequena, acaba por não ter esses recursos.” A verdade é que, na Dinamarca, os esports têm outra visibilidade: até o primeiro-ministro, Lars Løkke Rasmussen, reconheceu o trabalho dos Astralis via Twitter. Por cá, André Guilhoto tentou chamar a atenção das televisões, mas foi “ignorado”. “Gostava de fazê-lo para mudar mentalidades, mostrar que isto não é uma brincadeira e que há gente a ter sucesso nos esports”, adianta. Até lá, continua o seu trabalho — até porque esta carreira não dá sinais de “pause”.

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