Ilegalidades obrigam AICEP a rever controlo de contratos

Relatório do Tribunal de Contas apurou dez contratos com pagamentos a fornecedores feitos de forma ilegal antes do seu envio para fiscalização prévia. Apuramento de responsabilidade financeira envolve o actual presidente da AICEP, quando foi administrador executivo. Agência diz que já corrigiu erros e que não houve "qualquer prejuízo para o erário público"

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Luís Castro Henrique é presidente da AICEP desde Abril de 2017, da qual antes já era administrador executivo Rui Gaudêncio

O Tribunal de Contas identificou ilegalidades em dez contratos de serviços celebrados pela Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) entre 2012 e 2016, num comportamento, diz a instituição, que é “susceptível de gerar responsabilidade financeira sancionatória”.

No relatório de acção de apuramento de responsabilidade financeira agora divulgado, o Tribunal de Contas (TdC) diz que os contratos foram enviados para fiscalização prévia, mas que se verificou “a produção de efeitos materiais e financeiros, total ou parcialmente, em data anteriores à remessa” dos mesmos para o TdC (os contratos foram enviados entre Setembro de 2014 e Fevereiro de 2017). Algo que é contrário à lei de orçamento e processo do Tribunal de Contas (LOPTC), e que envolve vários responsáveis da AICEP, incluindo o seu actual presidente, Luís Castro Henriques, por acções praticadas quando ainda era administrador executivo (lidera este organismo estatal desde Abril de 2017, substituindo Miguel Frasquilho).

Dois concursos por realizar

O TdC,  a quem compete fiscalizar a legalidade das despesas públicas, refere ainda que em dois dos processos verificou-se “um acréscimo de despesa relativamente ao adjudicado e contratualizado”, no valor de 84,9 mil euros e de 249,1 mil euros, que deviam “ter sido precedidos de concurso público”, o segundo dos quais com publicação no Jornal Oficial da União Europeia, o que não aconteceu. Estes dois contratos dizem respeito a serviços de viagens, cada um no valor de 700 mil euros.

De resto, os outros contratos analisados pelo relatório do TdC reportam-se também a este tipo de operações, além da prestação de seguros e da aquisição de serviços para a concepção, montagem e desmontagem “dos pavilhões de Portugal em diversas feiras internacionais” (o TdC menciona a Feira Internacional de Argel, a Feira Internacional de Luanda e a Feira de Moçambique, em 2015).

As empresas referidas no relatório sobre os contratos são a Raso Viagens e Turismo, a João Mata, a Cvdecor, a Luso-Atlântica e a Oásis, com valores entre os 350 mil euros e os 950 mil euros. Dos dez contratos em causa, três tiveram pagamentos autorizados e efectuados antes do respectivo envio para fiscalização prévia e o visto necessário, a que se juntam depois outros sete com execução financeira parcial.

Não obstante o TdC se focar no apuramento de responsabilidade financeira, ao abrigo da LOPTC, não são mencionados nomes no relatório, apenas as funções. Mas fica evidente que acaba por englobar o actual presidente da AICEP, Luís Castro Henriques, que foi membro executivo da administração anterior, liderada por Miguel Frasquilho. Antes de Frasquilho, foi Pedro Reis quem presidiu a AICEP, entre 2011 e 2014.

No relatório, o TdC fala de uma “pluralidade de intervenientes no que respeita à autorização de pagamentos efectuados antes da pronúncia” da instituição, onde se inclui o “ex-vogal executivo e actual presidente do conselho de administração” da AICEP, tal como a antiga secretária-geral, um vogal executivo e um ex-director financeiro.

Depois, escreve-se que “deverá ser imputada aos membros do conselho de administração da AICEP que autorizaram as despesas que ultrapassaram os limites contratualmente estipulados” a “respectiva responsabilidade financeira”.

Nas conclusões, esclarece-se que houve pagamentos “efectuados em cumprimento dos contratos em apreço” autorizados pela “então secretária-geral” e “pelo director financeiro” sem que estes, diz a instituição, tivessem “competência para proceder às autorizações” relativas às verbas em questão.

Multas dos 2550 aos 18.360 euros

Os responsáveis pelo relatório dão nota de que cada uma das infracções detectadas são puníveis com multas, a determinar pelo próprio TdC, com valores que vão dos 2550 euros aos 18.360 euros. Este documento já foi enviado aos indiciados e ao juiz conselheiro responsável pelas funções económicas, a quem caberá agora a decisão sobre o processo, bem como ao ministro-adjunto e da Economia, Pedro Siza Vieira, e a Luís Castro Henriques, na qualidade de presidente da AICEP. Por outro lado, o processo foi também remetido ao Ministério Público, que, numa primeira fase, já teve oportunidade de dar um parecer positivo à aprovação do relatório agora divulgado.

"Escassez de recursos" e "desconhecimento"

Em sua defesa, diz o TdC, os responsáveis da AICEP visados alegam questões como escassez de recursos humanos, problemas informáticos, e o “desconhecimento de que os pagamentos em causa não poderiam ser executados por não reunirem todos os requisitos legais”. Outros argumentos consistem nos respectivos contratos “e no facto de as autorizações para os acréscimos de despesa a título de 'serviços a mais' terem sido suportadas em informações internas” da AICEP. Aqui, inclui-se ainda o argumento, por parte de alguns dos indiciados, de que não autorizaram os pagamentos, mas sim a sua execução.

Chefes de serviços "sem multa"

Ao PÚBLICO, fonte oficial da AICEP diz que “no momento em que teve conhecimento expresso sobre a necessidade de submissão a fiscalização prévia e obtenção de visto do Tribunal de Contas aos contratos auditados”, e “reconhecendo a vital importância do cumprimento rigoroso dos normativos legais aplicáveis nesta matéria”, identificou “e adoptou, de imediato, as medidas necessárias para evitar qualquer possibilidade de virem a existir situações idênticas no futuro”.

Sobre o envolvimento de Luís Castro Henriques, a mesma fonte realça que o relatório “apenas se refere ao seu mandato na anterior administração”, liderada por Miguel Frasquilho. “Convém referir que foi precisamente nessa altura que se começaram a adoptar as medidas para regularizar a situação” e que todos contratos têm sido "remetidos atempadamente" para o TdC obtendo "os necessários vistos prévios antes da produção de efeitos". A AICEP diz ainda que se confirmou "que não está em causa qualquer prejuízo para o erário público”, e que já foram relevadas as "responsabilidades, incluindo a multa" aos chefes dos serviços envolvidos.

AICEP mudou procedimentos

No seu relatório, o TdC diz que a AICEP “admitiu o incumprimento da norma legal que exigia que os contratos em apreço fossem submetidos a fiscalização prévia anteriormente à produção de efeitos financeiros, tendo assim os respectivos responsáveis admitido a prática de um facto ilícito” que se verificou “de forma reiterada, desde 2012 a 2016”.

Este tribunal afirma ainda que todos os indiciados responsáveis, à excepção de dois, solicitaram “que lhes seja relevada qualquer responsabilidade financeira”, considerando que “não existiu prejuízo para o erário público, observaram as normas legais em vigor quanto à formação dos contratos e assunção de encargos” e que "não agiram com intenção de violar a lei”.

E nota que a AICEP mostrou “preocupação” quando foi confrontada com esta questão no início de 2017, tendo aprovado uma deliberação em Abril desse ano na qual “foram identificadas medidas por forma a evitar que voltassem a ocorrer situações idênticas”. Desde então, diz o TdC, “não se detectou nenhum incumprimento”.

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