Morreu o socialista António Fonseca Ferreira

Começou a sua militância à esquerda com 14 anos, no apoio à candidatura do General Humberto Delgado. Foi um dos obreiros do Plano Estratégico de Lisboa de 1994.

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Daniel Rocha

Numa nota de pesar emitida ao princípio da tarde desta segunda-feira, o Partido Socialista lamentou a morte de António Fonseca Ferreira, resistente antifascista, fundador do Grupo de Intervenção Socialista (GIS) com, entre outros Jorge Sampaio, João Cravinho, Nunes de Almeida e Joaquim Mestre. Segundo o PÚBLICO apurou junto da família, o velório decorre esta segunda-feira a partir das 17 e 30 na Igreja de Santa Joana Princesa, Alvalade, e o corpo é cremado às 10 horas de terça-feira no cemitério dos Olivais.

“Recebi há pouco a noticia, bem triste, da morte do meu amigo António Fonseca Ferreira. Um dos homens fortes da equipa de urbanismo da CML. Nos tempos, históricos, da coligação de esquerda que a governou de 1989 a 2002. Amigo, pessoal e politico, de Jorge Sampaio. E meu. O Duarte Teives e eu fomos quem o levou à fronteira de Marvão, quando a salto desertou do exército colonial. Fonseca Ferreira era um homem sério, e de carácter. Nas primárias do PS, há cinco anos, curiosamente apoiou António José Seguro, como eu. Morre bastante novo, vítima de cancro. Foi durante mais de dez anos presidente da CCDR-LVT”, escreveu João Soares na sua página de Facebook.

Como técnico, colaborou diversas vezes nas páginas do PÚBLICO, a última das quais em 30 de Abril do ano passado com um artigo sobre regionalização, e foi fundador e director da revista Sociedade e Território.

Nascido há 74 anos em Trancoso, na Guarda, foi um dos estudantes que, com apenas 14 anos, recebeu nas escadarias do Hotel Turismo, o General Humberto Delgado estendendo a capa e afrontando os polícias. Foi o primeiro acto de luta pela democracia que o levou a militar nas associações de estudantis de Coimbra e da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.

Em 1969, integrou a CDE [Comissão Democrática Eleitoral] nas eleições para a Assembleia Nacional, dois anos depois, esteve preso em Caxias pela PIDE, e em 1972 foi condenado em Tribunal Plenário a cinco anos de prisão remíveis a dinheiro pela sua actividade política na CDE.

Em 1973, entrou para o Serviço militar em Mafra e, por informação da PIDE de ser “politicamente activo” passou a “soldado básico” com guia de marcha para Moçambique, tendo desertado em Junho de 1973 para França onde obteve asilo político. Esse é um dos episódios a que se refere João Soares no seu Facebook.

Após sair do GIS fundou o Centro de Estudos Socialistas que viria a participar, entre 1983 e 85, na Frente Republicana Socialista, liderada pelo PS. Esteve com Maria de Lurdes Pintasilgo no Movimento para o Aprofundamento da Democracia, tendo integrado a Comissão Politica da candidatura à Presidência da República da antiga primeiro-ministro.

Depois de aderir ao PS, foi membro da Comissão Política, fundador do grupo de reflexão Margem Esquerda e candidato a secretário-geral do partido liderando a moção “PS vivo, Portugal positivo” no Congresso de Matosinhos.

“Conheci-o antes do 25 de Abril [de 1974], em condições horrorosas ajudámo-lo a desertar [da guerra colonial], penso que foi acompanhado pelo cunhado do escritor Mário de Carvalho”, recorda, ao PÚBLICO, João Soares. As memórias mais recentes do antigo vereador e ex-presidente da Câmara de Lisboa de Fonseca Ferreira são, precisamente, do município lisboeta. “Reencontrei-o ali, na parte urbanística, no tempo de Jorge Sampaio, creio que chegou através do Nuno Portas”, conclui o deputado do PS. 

Neste âmbito, Fonseca Ferreira esteve à frente, entre outras tarefas, da coordenação do projecto Usos e Apropriação do Alojamento em Telheiras, do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e Empresa - ISCTE, onde foi professor convidado de Sociologia Urbana. Do mesmo modo, trabalhou na revisão dos planos regionais de ordenamento do território da Área Metropolitana de Lisboa, do Oeste e Vale do Tejo e participou na equipa que elaborou os primeiros planos directores municipais em Portugal.

“Foi uma pessoa muito qualificada, nomeadamente na Câmara de Lisboa, nos anos em que se estruturaram, discutiram, definiram e aprovaram coisas então tão inovadoras como o Plano Estratégico de Lisboa de 1994, no âmbito da Coligação Por Lisboa”, relata, ao PÚBLICO, Rui Godinho, vice-presidente do município na gestão de Jorge Sampaio. “Fonseca Ferreira era um elemento importante nesta equipa como director municipal do planeamento estratégico”, prossegue. “Sempre tive com ele uma excelente relação pessoal e, mesmo quando divergíamos, sempre juntava alguma coisa”, conclui. 

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