Os que abrem as portas ao populismo

É quando não há nada a propor e o vazio se instala que se abrem as portas ao populismo.

O fantasma do populismo tornou-se uma obsessão nacional apesar de – ou por causa de? – sermos um dos raros países aparentemente incólumes a uma ameaça que se projecta, de forma inquietante, no horizonte das eleições europeias. O paradoxo é ilustrado pelas intervenções cada vez mais frequentes do Presidente da República para contrariar essa ameaça. Como? Para além das múltiplas declarações oficiais ou de circunstância, Marcelo procura ocupar um espaço que poderia oferecer-se ao populismo “mau”, o do extremismo e dos ódios, através de um populismo “bom”, o dos afectos. Foi o que aconteceu recentemente com os seus telefonemas para os programas de entretenimento matinal das televisões (e em especial para uma lacrimejante Cristina Ferreira). Mas a omnipresença de Marcelo e a sua obsessão em introduzir-se em todos os territórios – ainda agora encontrou-se com Rui Rio e o seu rival Montenegro – não estará já a cansar os portugueses? É o que parecem indicar as últimas sondagens, onde uma queda da sua popularidade astronómica começa a insinuar-se.

Que tem preservado Portugal do populismo, além da protecção providencial – e pelos vistos excessiva – de Marcelo? São evocadas razões diversas, como a memória dos tempos da ditadura, os nossos “brandos costumes”, a escassa exposição ao fenómeno migratório ou a solidez demonstrada pelo nosso sistema político, com alternativas à direita, à esquerda e ao centro. Só que essa paisagem ameaça começar a desintegrar-se, com a fragmentação da direita e a falta de perspectivas programáticas dos partidos velhos ou novos que a compõem, além da quase impossível reedição da chamada “geringonça” e a dificuldade do PS em chegar à maioria absoluta. Some-se a tudo isto, neste ano de decisivas escolhas eleitorais, o clima crescente de conflitualidade social – especialmente entre o funcionalismo do Estado – ou a crise cada vez mais aguda dos serviços públicos, da Saúde à Educação e aos Transportes, onde o equilíbrio entre as necessidades do seu financiamento e as regras orçamentais europeias se aproxima perigosamente da ruptura.

O clima eleitoral já contaminou, aliás, o comportamento das diferentes forças políticas, desde logo com o PS empenhado em mostrar serviço em áreas onde se têm acumulado desaires sucessivos – e que os golpes de propaganda, por vezes manifestamente grosseiros, não disfarçam. Aí estão, a comprová-lo, o caso do aeroporto do Montijo, prematuramente anunciado com pompa e circunstância mas ainda dependente há anos de um estudo de impacto ambiental, ou os grandiosos planos de investimento em infraestruturas, repetidamente adiados mas repetidamente festejados pelo ministro da propaganda Pedro Marques – não por acaso, futuro cabeça de lista do PS às eleições europeias – enquanto se assiste à degradação aflitiva dos transportes ferroviários.

Last but not least, temos a declaração de candidatura de Luís Montenegro à liderança do PSD, cuja vacuidade de propostas chega a ser confrangedora, com promessas para todas as clientelas (“para os empresários que querem arriscar novos negócios, para os trabalhadores que aspiram a melhores salários e para os mais desfavorecidos”). O défice de liderança e a falta de carisma de Rui Rio não chegam a ser álibis suficientes para esconder as motivações mais primárias de luta pelo poder que animam Montenegro, Morgado e outros num partido cuja crise de identidade se tornou, de facto, irreversível. É quando não há nada a propor e o vazio se instala que se abrem as portas ao populismo.

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