Cartas ao director

Formando ou desperdiçando?

Discutiu-se por cá o ensino superior. A secretária de Estado questionou a existência de números clausus. Se 20.000 estudantes quiserem de repente ser, sei lá, engenheiros de batatas fritas, deveria ser possível? Sem defender uma planificação rigorosa à la soviética, parece-me importante existir algum equilíbrio entre a oferta do ensino superior e o mercado de trabalho, inserido nalgum plano de desenvolvimento de conhecimento no país. Está bem que os formados podem depois emigrar, mas não vejo o ensino superior como uma actividade predominantemente exportadora. Um outro problema mais imediato é a infra-estrutura dos estabelecimentos de ensino. Uma escola preparada para receber 100 alunos por ano não pode passar de repente para 5000 e a seguir voltar aos 100.

Estas vontades de “massificação” voluntariosa lembram-me aquelas teorias da sacrossanta primazia da produção, onde o que importa é produzir muito… e o que se faz ao produzido logo se verá. O resultado deste modelo foi/é a falência.

Também se discutiu a existência de propinas. Ninguém, capaz, deve ser excluído do ensino superior por dificuldades financeiras, mas atender a esse direito com a abolição das propinas é uma abordagem grosseira e/ou desonesta. Seria preferível um outro mecanismo de subsidiação mais directo e selectivo, já que o custo do ensino superior não é apenas propinas e o que faz sentido é ajudar apenas quem necessita. Recorda-me a moda dos manuais escolares gratuitos. A sua generalização não faz sentido.

Carlos J F Sampaio, Esposende

Com ou sem propinas?

Na Finlândia, o ensino universitário é um dos mais selectivos da Europa, com apenas 1/3 dos aprovados para a frequência no ensino superior. No entanto, é precisamente a Finlândia que regista os mais elevados índices de ascensão intergeracional do mundo, o que curiosamente resulta essencialmente do elevado grau de autonomia do ensino superior face ao Estado. Em contrapartida, em França as universidades encontram-se sob a tutela do governo e apresentam um sistema extremamente inclusivo, que é maioritariamente incentivado pela ausência de propinas e excesso de vagas. Como os custos de acesso ao ensino superior são praticamente nulos, uma parte significativa das vagas são preenchidas por estudantes que não possuem aptidões académicas ou vontade suficiente para terminarem com sucesso a sua graduação. Neste caso, o desperdício de recursos traduz-se num nível elevado de desistências, estimando-se que cerca de 40% dos alunos não conclui os estudos nos prazos máximos determinados. Por outro lado, a mobilidade intergeracional gaulesa é das mais baixas da Europa. Assim sendo, quando discutimos a abolição das propinas em Portugal, temos de levar a linha de conta não só o rendimento dos agregados familiares mas também a possível degradação da qualidade do ensino, assim como o desperdício de recursos que traria para o Estado, resultante do aparecimento de alunos com características que não se adequam ao grau académico. 

João António do Poço Ramos, Póvoa de Varzim

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