EDP quer obrigar clientes a contratos de cinco anos

EDP Comercial garante que nova duração contratual é uma proposta "de decisão voluntária", mas em cartas enviadas aos clientes industriais diz que a não aceitação do prazo implica terminar o contrato.

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Rui Gaudencio

A comercializadora da EDP para o mercado liberalizado, a EDP Comercial, tem em marcha uma nova estratégia para conseguir garantir a estabilidade da sua carteira de clientes industriais – e as receitas que representam – nos próximos anos. A empresa está a notificar por carta todos estes clientes com contratos em final de prazo de que a sua duração vai ser alterada para cinco anos devido à “actual conjuntura de preços no mercado da energia”.

Caso não concordem com as novas condições, os clientes terão de “proceder à resolução do contrato”, afirma a EDP Comercial nas cartas a que o PÚBLICO teve acesso e que foram enviadas em Dezembro.

Nos documentos, que começam precisamente com a frase “a duração do contrato de fornecimento de energia vai ser alterado”, a eléctrica refere que a conjuntura dos preços no mercado grossista (em movimento de subida desde o ano passado) não lhe permite manter as condições contratuais. E assim apresenta uma solução: “Para nos ser possível manter os preços actualmente constantes do seu contrato de fornecimento de energia e evitarmos os aumentos impostos pelo mercado grossista de energia, será necessário prolongar a vigência do seu contrato até 31-12-2023”, lê-se nas cartas.

A empresa explica que a alteração da duração do contrato implica a modificação de duas cláusulas contratuais: a que se refere à duração, e a que incide sobre as responsabilidades e penalizações em caso de cessação antecipada.

Com a alteração da cláusula sobre a duração, o contrato passa a estar em vigor até final de 2023, renovando-se “automática e sucessivamente por períodos de 1 (um) ano se nenhuma das partes notificar a outra por escrito” com um mês de antecedência.

Caso haja cessação antecipada, e tendo como pressuposto a nova duração contratual, a parte que proceder à cessação fica obrigada a pagar à outra uma compensação de cinco euros por cada megawatt hora “que resulte da diferença entre a energia prevista fornecer e o consumo real medido até à cessação”.

Apesar de, nas cartas, a empresa não apresentar qualquer outra alternativa ao cliente que não seja a de estender o contrato por cinco anos ou pôr-lhe fim (“caso não concorde com as novas condições propostas terá de proceder à resolução do seu contrato”), fonte oficial da EDP garante que “a proposta é de decisão voluntária por parte dos clientes, que podem optar por manter o prazo dos seus contratos”.

A EDP não esclareceu, contudo, se “manter o prazo” dos contratos é equivalente a fazer uma renovação de um ano (a duração média habitual nos contratos de energia) e se, nesse caso, o cliente pode manter o mesmo tarifário.

Mais estabilidade e menos custos, diz EDP

Em declarações enviadas ao PÚBLICO, a empresa explica que “perante a evolução dos preços no mercado grossista”, a EDP Comercial (diferente da EDP Serviço Universal, que abastece os clientes do mercado regulado) “decidiu dar a possibilidade a todos os clientes industriais com contratos em vias de renovação de contratarem por prazos mais longos”.

Com isto, nota a EDP, os clientes garantem “maior estabilidade e uma redução de custos, ao beneficiarem dos preços mais baixos dos contratos de futuros a cinco anos”. A empresa diz ainda acreditar “que os contratos de maior prazo têm claros benefícios para este segmento” de consumo. O PÚBLICO perguntou à empresa se considera que os preços grossistas vão manter-se aos níveis actuais nos próximos cinco anos, mas não foi possível obter um esclarecimento.

Segundo os dados de Novembro da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), a EDP comercial (área de negócio que está a cargo da administradora da EDP Vera Pinto Pereira) mantinha-se como a líder do mercado liberalizado em número de clientes, com 81% dos cerca de cinco milhões de clientes (4,130 milhões segundo o relatório e contas do primeiro semestre da eléctrica), e em consumo abastecido (cerca de 42% dos fornecimentos).

Porém, embora lidere o consumo no segmento doméstico e de pequenos negócios, no segmento dos clientes industriais a empresa está em terceiro lugar, com uma quota de 18,9%, atrás da Endesa (27,3%) e da Iberdrola (21,4%), ainda que tenha registado um crescimento de 0,2 pontos percentuais.

Na correspondência enviada aos clientes, a EDP Comercial refere que a modificação contratual considera-se aceite “se, no prazo de 20 dias a contar da data da carta”, o cliente não a informar, por escrito, da intenção de proceder à resolução de contrato.

Por outro lado, refere que a resolução do contrato implicará “a interrupção de fornecimento de energia”.

Apesar de ser evidente que o fim de um contrato implica a interrupção da prestação de um serviço, a utilização desta expressão já valeu à EDP Comercial um "puxão de orelhas" por parte da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE).

Num outro contexto, em Janeiro de 2018, a ERSE considerou a que a EDP Comercial, ao usar a expressão “interrupção do fornecimento de energia” em cartas de despedida enviadas a clientes que optaram por mudar de comercializador de energia, suscitava “um receio injustificado e infundado relativamente à continuidade da prestação de um serviço público essencial”.

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