O que eu gostava de ouvir sobre o ensino público

Estamos a cavar a desigualdade, perante o silêncio da sociedade e dos próprios agentes do ensino, os professores.

Foi mais uma notícia sobre as dificuldades dos serviços públicos. Não teve direito a reacções, muito menos gerou polémica. Passou como mais um caso, como peça de um processo de degradação do cumprimento pelo Estado das suas responsabilidades sociais perante a comunidade. Na segunda-feira, o PÚBLICO noticiava a denúncia de Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, de que faltam “pelo menos 811 assistentes operacionais”, cálculo indicativo com base em falhas de um por escola pública, sendo que há casos em que faltam mais. A situação, segundo este responsável, ameaça levar a fechos parciais “para pressionar o Governo a resolver a situação”.

Está na ordem do dia a discussão sobre a degradação do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Um debate meritório porque revelador de uma preocupação urgente em relação à prestação de um serviço do Estado que é um dos pilares do Modelo Social Europeu. A prestação de cuidados de saúde pelo Estado não pode ser posta em causa. Mesmo havendo perspectivas diversas sobre o seu grau de estatização, ninguém de bom senso e que aceite o que são hoje as democracias europeias põe em causa serviços públicos de saúde. Logo, a sua degradação, fruto de décadas de subinvestimento, agravada pelos cortes financeiros durante a intervenção da troika, deve ser uma preocupação nacional. E deve ser exigido ao Estado que invista mais do que o que tem sido feito pelo actual Governo.

A preocupação e o debate público sobre a degradação dos serviços públicos parecem, porém, centrar-se sobretudo na saúde. Pode até ser normal, já que as suas falhas têm uma visibilidade imediata, através do aumento de mortes ou da ausência de tratamentos e de outros cuidados de saúde, mas parece-me no mínimo estranho que ninguém se manifeste ou reflicta sobre o que se passa nas escolas públicas. A começar pelos professores e por essa figura de proa do sindicalismo que é Mário Nogueira. Penso ser absolutamente bizarro que a luta sindical dos professores se limite a achar que estes têm direito à reposição do tempo de serviço nas carreiras que foi cortado pelas medidas de combate à iminente falência do Estado. Como se os professores fossem uma espécie de casta da função pública, que tem direito a receber o que os outros trabalhadores do Estado também perderam. Isto para já não falar nos que trabalham no privado.

Repito, é absolutamente bizarro, na minha opinião, que os representantes sindicais dos professores, a começar pelo seu líder, Mário Nogueira, não façam uma exigência sobre a degradação das condições em que exercem a sua função social, a sua missão de educar. A escola é o espaço da inserção social e de formação de competência para o exercício profissional da vida em comunidade. É um lugar nobre, mais do que essencial é vital para a preparação da sociedade do futuro. Daí a importância, o papel incontornável do Estado não só na regulação do ensino mas também no assegurar da existência de ensino público de qualidade que forme os cidadãos do futuro. Por maior que seja o espaço para os privados operarem e garantirem instituições de ensino, as escolas públicas são estruturante do Modelo Social Europeu.

A notícia do PÚBLICO reflectia a falta de assistentes operacionais nas escolas públicas. Estes funcionários, antigamente conhecidos por contínuos, são essenciais ao funcionamento de uma escola, como a notícia mostrava, sem eles não abrem os balneários, as bibliotecas, as cantinas, etc. Ou seja, a escola não é feita só de professores. Porém, mesmo no que toca às condições em que estes prestam a sua missão, é sabido como as condições se degradaram desde que estão submersos em ondas crescentes de kafkiana burocracia, que dificulta o que a comunidade deles espera: ensinar.

Ora, na permanente, extenuante e barulhenta reivindicação sindical dos professores, a começar pelo discurso do seu líder, Mário Nogueira, a gritaria gira toda em torno de objectivos individualistas de reconhecimento de tempo de serviço e de aumentos salariais. Nem uma palavra se ouve sobre a degradação do ensino público e as suas consequências para a comunidade e para o Portugal futuro. As consequências da degradação do ensino público são larvares, silenciosas, não visíveis imediatamente pelos pais nem pela comunidade. Não há os eventuais mortos nem doentes em estado agravado pela má assistência do SNS. Mas a prazo estamos a formar cidadãos em piores condições de se inserirem e contribuírem para o bem comum da sociedade e para a sua realização pessoal. Estamos a cavar a desigualdade, perante o silêncio da sociedade e dos próprios agentes do ensino, os professores. E é sobre isto que eu gostava de ouvir Mário Nogueira falar.

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