O Congresso da direita ressabiada

A assembleia reunida no CCB é a dos fantasmas do governo passado. Assombração, pois claro.

O encontro das direitas acaba esta sexta-feira. Os organizadores da 1.ª Convenção do MEL (Movimento Europa e Liberdade) recusaram a ideia de ver a sua iniciativa transformada num “comício dos críticos de Rui Rio”. “Não estamos aqui para atacar lideranças partidárias”, prometiam. Vai daí, a garantia saiu furada logo no arranque do concílio. Fizeram pesca à linha aos convidados do PSD e juntaram todos os nomes que, alguma vez na sua vida, ponderaram disputar a liderança a Rui Rio. Na prática, a reunião magna das direitas serviu apenas para dar o tiro de partida para o mais recente assalto à São Caetano à Lapa.

Sabia-se de antemão que este era um encontro de ressabiados. De quem continua inconformado com o resultado eleitoral de 2015 e o fim da governação das direitas. Uma espécie de reunião dos órfãos da troika e do seu programa de austeridade. A assembleia dos que esperavam o diabo na economia, o desastre do país, para regressar ao poder. A plateia de quem não se conforma com o facto de a economia portuguesa estar a criar mais emprego, de se terem anulado os cortes nos salários e nas pensões e posto termo à febre privatizadora.

Os seus organizadores dizem querer “denunciar a chegada de partidos extremados ao poder”. Mas contradizem-se quando os principais convidados pertencem ao grupo dos extremados do anterior governo, que abalaram o consenso democrático do pós-25 de Abril. Porque estes são os representantes da direita que não se conforma com a Constituição da República Portuguesa, que bateu recordes nos Orçamentos do Estado inconstitucionais, que cortou salários e pensões e terraplanou direitos sociais e laborais. É a direita que se juntou na PAF (Portugal à Frente), prometendo mais cortes nas pensões, o plafonamento da Segurança Social e o estado mínimo para a desproteção máxima.

O convidado irrevogável Paulo Portas teria muito para dizer sobre “as configurações políticas instáveis que enfermam em si contradições” que assustam os organizadores. Submarino ao fundo na coerência entre os convites e o manifesto político. A assembleia reunida no CCB é a dos fantasmas do governo passado. Assombração, pois claro.

É sintomático que, no início de um ano eleitoral tão importante, este encontro das direitas seja marcado pela mesma linha política que foi derrotada nas eleições de 2015. A direita está parada no tempo, não se recuperando ou reinventando. Encerrada no seu próprio labirinto dos vaticínios tenebrosos nunca realizados e das escolhas inevitáveis que tiveram melhores alternativas. Sem ideias para o país, a convenção vai resumir-se à disputa pelo poder laranja.

O debate sobre o estado das direitas transformou-se no debate sobre o estado do PSD. Os candidatos a candidatos alinharam todos no toca a reunir. Luís Montenegro, Miguel Morgado, Pedro Duarte e Miguel Pinto Luz já se perfilam. Montenegro já desmarcou a sua participação no debate da Convenção para, na sala ao lado, anunciar o seu desafio a Rui Rio. Um duelo, mano a mano, para ver quem ganha a liderança do PSD. O confronto adiado no congresso partidário passado chega a poucos meses do arranque do ciclo eleitoral.

É certo que alguns se poderão defender dizendo que não podem combater Rui Rio pelas ideias, porque não as conhecem. O banho de ética nunca se cumpriu, as reformas estruturais ficaram-se por fogachos e a linha política parece extraída de um sismógrafo em zona sísmica. Se Rio escreve direito por linhas tortas, ninguém deu por isso. Mas, não nos enganemos, a luta fratricida não é de ideias, é de lugares, a proximidade das eleições legislativas assim o motiva.

A comparação entre a reunião que juntou as esquerdas na Aula Magna, em 2013, e o encontro das direitas tem sido repetida à exaustão. É um profundo erro de análise. O encontro da Aula Magna não serviu para resgatar a esquerda de um qualquer labirinto, serviu para dar eco do país que se revoltava contra a submissão à troika. A reunião no CCB, espaço preferido para muitos dos momentos chave do percurso político de Cavaco Silva, é o símbolo das direitas desnorteadas que escolheram enredar-se em lutas de poder por não terem alternativa política para o país.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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