Eles são a pequena América da Casa da Música

Na Babel de nacionalidades da Casa da Música, há oito profissionais oriundos das Américas a trabalhar nas diferentes estruturas da instituição. Outras tantas histórias, no ano em que vão estar em destaque as músicas do Novo Mundo.

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Da esquerda para a direita: Nancy Frederick, José Despujols e Francisco Moreira Adriano Miranda

São sete os instrumentistas vindos do continente americano que actualmente integram formações da Casa da Música. Nancy Frederick (violino), Robert Glassburner (fagote) e Alan Guimarães (violino) vêm dos Estados Unidos; José Despujols (violino), da Venezuela; Vicente Chuaqui (violoncelo), do Chile; e Francisco Moreira (viola), do Brasil – tocam todos na Orquestra Sinfónica do Porto. Angel Gimeno (violino) é também natural da Venezuela, e faz parte do Remix Ensemble. Mas, noutro ponto da Casa, há ainda Antonio Rosario Rondón, dominicano que integra a equipa do restaurante da instituição.

Na autêntica Babel que é a Casa da Música, estes oito profissionais vão ter razões acrescidas para se reverem na programação para 2019 – o ano dedicado às músicas do Novo Mundo. E o plural ganha aqui um significado reforçado: a América, na sua diversidade geográfica, social e cultural, é verdadeiramente o continente de todas as músicas.

No intervalo de um ensaio da Orquestra Sinfónica do Porto, já na contagem decrescente para o concerto de abertura da nova temporada, esta sexta-feira, às 21h, o PÚBLICO foi saber como alguns destes músicos, e não só, perspectivam o novo ano. Descobriu que nem todos olharam ainda com atenção para o repertório que vão ter de trabalhar ao longo dos próximos meses, mas cada um tem a sua história, os seus compositores e as suas músicas de cabeceira.

Nancy Frederick, americana nascida na Pensilvânia, é das instrumentistas mais antigas da orquestra, à qual chegou em 1989, ainda no tempo da Régie Sinfonia, então liderada por Jan Latham Koenig. Foi quando este maestro inglês se deslocou aos Estados Unidos à procura de novos músicos que Nancy, então a estudar no Los Angeles Philharmonic Institute, leu um anúncio e decidiu concorrer. “Pensei que seria uma aventura para dois ou três anos, mas acabei por ficar”, diz a violinista, que entretanto já viveu já mais anos no Porto do que na sua terra natal.

Tanto Francisco Moreira como José Despujols chegaram à orquestra pela mesma via. O violetista brasileiro encontrava-se na Europa – aqui chegou para estudar na Escola Superior de Música Mozarteum, em Salzburgo (Áustria), tendo integrado depois a orquestra Jeunesse Musicales, em Varsóvia (Polónia) – quando, em 1994, leu um anúncio idêntico. “Vim para Portugal e concretizei aquilo com que todo o músico do Brasil que eu conheço sonha, que é trabalhar na Europa, o berço da cultura musical”, garante.

O efeito Gustavo Dudamel

O violinista venezuelano, nascido em Barquisimeto – “a cidade natal do [maestro] Gustavo Dudamel”, conta Despujols –, chegou ao Porto há 16 anos, também antes da inauguração da Casa da Música, quando a orquestra estava já a expandir-se para voltar a ser sinfónica. Na altura, trabalhava em Paris, depois de se ter formado entre Caracas e a Universidade de Indiana, nos Estados Unidos.

Não há indicação de que Dudamel, sem dúvida o nome mais conhecido da cena musical venezuelana, venha apresentar-se este ano na Sala Suggia, mas José Despujols manifesta a expectativa de ver regressar Carlos Izcaray, “um excelente maestro e músico”, de quem foi colega na Orquestra Sinfónica do Alabama (EUA). “Este ano vai ser bastante interessante, porque vamos ter oportunidade de tocar compositores da América Latina, ao lado dos nomes mais conhecidos dos Estados Unidos, como o [Leonard] Bernstein, músicas com um carácter bastante diferente do habitual, mas que vão certamente agradar ao público”, acredita.

Do Brasil, Francisco Moreira chama a atenção para a importância da obra de Camargo Guarnieri, um compositor pouco conhecido num país a respeito do qual se fala principalmente de Heitor Villa-Lobos – cuja obra estará várias vezes em cena no ano Novo Mundo. Deste, Moreira chama a atenção para a peça Martírio dos Insectos, composta na Amazónia, e também para a espectacularidade de um Grande choro que Villa-Lobos compôs para orquestra e coro. “Mas o Brasil tem toda a música popular, ligeira, e é sem dúvida o país que mais evoluiu nessa área”, diz o violetista nascido em Goiânia.

Nancy Frederick gosta das obras de Aaron Copland, George Gershwin e Leonard Bernstein, mas tem uma preferência especial pela peça de Samuel Barber Adágio para cordas, que “entra em muitos filmes – e também porque ele nasceu na Pensilvânia”, ri-se. E acrescenta que “seria bom poder tocar o West Side Story”, de Bernstein.

Países em convulsão

Já sobre a situação política actual no seu país natal, a co-líder dos segundos violinos da Orquestra Sinfónica do Porto diz ter dificuldade em falar. “Não estou a viver lá, e só conheço pelas notícias. Geralmente, quando são os republicanos a entrar na Casa Branca, há mais cortes na cultura, não sei se isso está já a acontecer. Afinal, eu já sou mais portuguesa do que americana”, justifica.

A viver também à distância as complicadas convulsões políticas e sociais nos países respectivos estão Francisco Moreira e José Despujols. O brasileiro mostra-se “pessimista”, principalmente perante “um governo que decidiu liberar o porte de arma para qualquer pessoa”, e a violência que isso pode gerar. Mas acredita que “a música não será abalada, principalmente a música popular, que é sempre muito rica e conseguirá sobreviver”. Já sobre a situação da música erudita tem mais dúvidas, e tem notícia de que há orquestras a fechar.

Despujols não regressa à Venezuela há muito tempo. Tem família no Porto e já adquiriu inclusivamente a nacionalidade portuguesa. Mas sabe bem que a música está a sofrer com a turbulência que se vive no seu país. “Quando saí da Venezuela, ainda se podia apostar na música e ter uma vida normal; infelizmente, as coisas pioraram muito”, lamenta.

Quem vai acompanhar o ano Novo Mundo mais à distância, a partir do sétimo piso, é Antonio Rondón, que há oito anos partiu da República Dominicana para vir trabalhar na Casa da Música – nessa altura, já se encontrava casado com uma portuguesa de Gaia que tinha conhecido num baile na sua terra natal. “Gosto muito de música, e ela tem uma presença muito forte no meu país – até para namorar, a música está sempre lá”, ri-se, lembrando três géneros musicais originários da República Dominicana: “O merengue, a bachata, que nos últimos 20 anos se expandiu pelo mundo, e o dembow, um ritmo que está a surgir agora, muito parecido com a reggaeton.”

O empregado de mesa do restaurante da Casa da Música acredita que, ao longo do ano, se vão poder ouvir estes ritmos nos vários espaços do edifício, mas gostaria também de poder ver passar por aí o pianista Michel Camilo e o cantor Juan Luis Guerra, “dois nomes da música popular com melodias muito bonitas”.

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