Porque é que o caminho do nazismo foi rápido e, de certa forma, fácil?

Há um momento na história em que se pode barrar o fascismo. Depois, como lembrou Brecht, é tarde demais.

Na viragem do século XIX para o XX o homem parecia capaz de controlar a natureza, devido ao inusitado impulso científico trazido com a revolução industrial. A crise de 1929, porém, abalou como nunca a crença não só no progresso, mas no próprio capitalismo. Marx renascia com a força da realidade das filas da fome em países que deitavam fora a produção para evitar quedas nos lucros: laranjas eram deitadas à rua nas estradas para evitar a queda do seu preço.

A Segunda Guerra Mundial é marcada por uma historiografia de senso comum, ideologicamente marcada pela disputa entre os EUA e a URSS, durante a Guerra Fria. A recente ascensão da extrema-direita convoca-nos mais uma vez a recordar que memória não é história.

No dia 24 de Outubro de 1929, as acções da bolsa de Nova Iorque colapsaram. Era o sintoma do início da maior crise do capitalismo até aí. As propostas keynesianas face à crise de 1929, como o New Deal, incidiram sobre a protecção social e numa economia capitalista planificada. Associada às obras públicas, por sua vez assentes num défice controlado.

Porém, ao contrário do que frequentemente (e erradamente) é referido, estas medidas não solucionaram a crise. Em 1937 ela, a queda da taxa média de lucro, tinha regressado. As taxas de desemprego de 1929 só foram revertidas quando os EUA entraram na II Guerra, em 1941. Foi a economia de guerra, ou seja, transformar desempregados em soldados, forças produtivas em fábricas de máquinas de destruição, que reverteu a crise de acumulação. Falharam as teorias keynesianas e monetaristas e passou-se do New Deal ao War Deal – em 1939 os EUA tinham amputado os gastos sociais usando o equivalente a 50% do seu valor em investimento de guerra. Só nesse ano!

Hoje é claro para a historiografia que o nazismo não avançou só pela força das técnicas militares, a Blitzkrieg, com falhas evidentes, mas pela desmoralização política dos adversários. Um dos mais potentes tanques de Hitler foi a derrota da revolução espanhola, das esperanças na frente popular francesa, a titubeante social-democracia alemã e a desastrosa política dita do “terceiro período” da Internacional Comunista (que recusava alianças, mesmo defensivas, com a social-democracia com o argumento de que esta seria “irmã gémea” do fascismo).

Hitler podia ser louco. Mas o nazismo não foi um acto de loucura. Foi um modelo coerente de destruição em massa. Que só conseguiu vencer pela inabilidade dos seus vários adversários. Nas palavras do historiador francês Pierre Broué, o nazismo foi uma “gigantesca derrota sem combate”.

A burguesia industrial alemã temia a revolução social. Temia que, depois das tentativas operárias de tomar o poder em 1919 e 1923, uma nova crise (1929) levasse o “proletariado ao poder” como na Rússia soviética. Os anos de estabilidade económica da República de Weimar foram dramaticamente deixados para trás na crise: milhões não conseguiam encontrar trabalho (cerca de 2/5). Generaliza-se a fome, o caos e a insegurança. Há queda dos preços na produção, que se combina com uma gigantesca inflação na distribuição, no consumo.

Muitos procuraram as raízes do nazismo nas profundezas culturais da “alma” alemã (e francesa). O facto é que nem todos os fascismos “deram certo”. Nem todos passaram de correntes culturais de vanguarda a partidos de massas que tomaram o poder de Estado.

Ao longo de todo o nazismo 300 mil alemães são presos, perseguidos ou mortos por se oporem a Hitler. Por outro lado, não é verdade que todo o povo alemão ou as suas camadas mais pobres aderiram ao projecto nazi. Segundo o historiador britânico Dick Geary, “o resultado global das eleições para os conselhos fabris, em 1931, viu apenas 710 representantes da Organização Nazi das Células Fabris (NSBO) eleitos contra 115.671 sindicalistas livres (de orientação SPD) e 10.956 cadeiras para os sindicatos cristãos, predominantemente católicos. Em Janeiro de 1933, o NSBO tinha cerca de 300 mil membros, em comparação com um milhão de sindicalistas cristãos e mais de quatro milhões de sindicalistas livres”.

Porque é que o caminho do nazismo foi rápido e, de certa forma, fácil?

Devido a três factores. O nazismo beneficiou do apoio militante do sector industrial e financeiro alemão; da ausência de apoio, por parte da URSS e da social-democracia, aos projectos revolucionários da década de 30 do século XX; e da inacção, quando não cumplicidade activa, da social-democracia e suas alianças a poderes semibonapartistas antes da ascensão de Hitler ao poder.

William Pelz, historiador norte-americano, lembra que em Julho de 1932 os nazis tiveram 37,3% dos votos, mas nas eleições de Novembro tinham perdido mais de 4% e 34 lugares do Parlamento. Que aí usaram o terror e a provocação – o incêndio do Reichstag, atribuído aos comunistas – para recuperar influência. E que nesse tempo a reacção dos partidos de esquerda foi nula. Pouco depois sobem a votação. Ainda assim, se todos os outros partidos se tivessem coligado contra Hitler, teriam impedido a sua vitória. Mas, sublinha Pelz, Hitler era apoiado financeiramente pela Krupp, a I.G. Farben, as grandes empresas que, com base no trabalho forçado dos campos de concentração, serão o alicerce da produção de guerra e da recuperação das taxas de lucro após a crise de 1929. O nazismo não é uma excrescência conservadora retrógrada, uma espécie de retorno feudal, assentou antes na mais desenvolvida técnica e ciência da economia de guerra.

O segundo factor é o desastroso papel da política da Internacional Comunista conhecida como do “terceiro período”, que rejeitou uma política de frente única contra o nazismo. Não distinguia entre um regime que rejeitava a revolução (social democrata) e outro que procurava aniquilar fisicamente os dirigentes operários (Estado fascista). O SPD foi definido até 1935 pela nomenclatura russa como um partido “social-fascista”. A Oposição de Esquerda a Estaline defendeu a frente única, uma organização comum de partidos de base social operária contra o nazismo. A URSS recusou. Mudou depois de política no seu VII Congresso, em 1935, mas para outra igualmente errónea, a “frente popular”, em que o operariado deveria ser paciente e abdicar das suas reivindicações em prol de uma aliança (muitas vezes apenas imaginária) com partidos burgueses democráticos. Esta política foi testada na França e na Espanha dos anos 30 e representou uma derrota terrível, que culminou com a vitória de Franco, a invasão nazi da França e a criação do regime fascista de Vichy.

Finalmente, não foram só os comunistas fiéis à URSS a ter uma política desastrosa. O SPD procurava uma (impossível, no quadro da crise) via intermédia entre o nazismo e bolchevismo, entre a contra-revolução nazi e a revolução bolchevique. Queria defender a República de Weimar, quando a democracia liberal sucumbia à sua própria crise, vendo grande parte dos liberais migrarem para o apoio ao nazismo para salvarem as suas propriedades e lucros contra a ameaça bolchevique. E o SPD viu-se assim a apoiar, a partir da oposição, a política deflacionista do governo bonapartista de Brüning e os governos por decretos-lei, governos que deixaram campo livre aos bandos fascistas fieis a Hitler, os freikorps. O SPD ainda apoiou Hindenburg em 1932 para a presidência da República, o mesmo que irá nomear Hitler chanceler.

O poeta Bertolt Brecht, socialista e resistente revolucionário ao nazismo, no seu exílio de 15 anos (um “embaixador da desgraça”, como se auto apelidou), chegou mesmo a escrever, reflectindo sobre a história e dirigindo-se ao futuro: “Vós que ireis emergir da onda em que nós nos afogamos (...), pensai em nós com indulgência.”

Morreram 80 milhões de pessoas na II Guerra, o maior genocídio da história da humanidade. Há um momento na história em que se pode barrar o fascismo. Depois, como lembrou Brecht, é tarde demais.

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