Com acção de despejo e edifício degradado, Solar dos Açoreanos está em risco

Reconhecida pela autarquia de Coimbra como entidade de interesse histórico, casa de estudantes aguarda decisão sobre obras.

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Adriano Miranda

O Solar Residência de Estudantes Açoreanos, em Coimbra, está em risco. A juntar à degradação do edifício de cinco pisos, acresce uma acção de despejo movida pela senhoria em Maio de 2018. Uma vistoria realizada por técnicos da Câmara Municipal de Coimbra (CMC) em Julho de 2017, concluiu que o estado do imóvel apresenta perigo para a saúde e segurança dos moradores e que o “prédio ou elementos do prédio” - “ameaçam ruína”, apesar de afastar o risco de iminente de desmoronamento.

As condições precárias são visíveis. Nos pisos, das águas-furtadas à sub-cave, é possível ir observando os problemas da casa apontados por Diogo Asenjo, actual morador: dois pilares de cimento a sustentar a varanda que dá para as traseiras colocados pelos estudantes, duas escoras metálicas que sustentam o piso da sala de refeições, paredes e tectos fissurados com infiltrações em várias divisões e buracos no soalho.

Apesar disso, o relatório da vistoria foi apenas despachado a 6 de Abril de 2018 pelo vereador com o pelouro da habitação, Francisco Queirós, e só em Novembro seria dado a conhecer às partes. O documento determinava obras urgentes em vários pontos do edifício a ter início no prazo de 30 dias, mas a advogada da senhoria avançou com um pedido de suspensão, sustentado com a acção de despejo em decurso. Por sua vez, os estudantes, que lamentam o arrastar do processo, pediram o indeferimento da suspensão e aguardam resposta.

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A passagem do Leslie, em Outubro, veio agravar os problemas da casa. Até à semana passada viviam sete pessoas numa casa de 12 quartos, mas já houve quem procurasse alternativa para morar em Coimbra depois disso, explica Diogo Asenjo, estudante de direito. Daí que a continuidade do Solar fique em risco: com a degradação da casa, é mais difícil encontrar moradores; havendo menos moradores, torna-se mais complicado pagar a renda de 824 euros, aos quais se juntam contas de energia, água e internet. “Está a chegar a um ponto em que está a ficar insustentavel. A senhoria está a conseguir tirar-nos daqui à força”, afirma Diogo Asenjo.

Em 2017, a renda foi actualizada segundo o Novo Regime do Arrendamento Urbano. O valor anterior era de 65 euros, o que ia permitindo aos habitantes ir pagando algumas reparações pontuais. Joana Pestana, antiga moradora, contesta o novo valor: se a actualização tem por base o valor patrimonial do imóvel, a mesma devia ter em atenção que “há divisões que nem sequer estão habitáveis”.

O PÚBLICO tentou obter explicações por parte do vereador Francisco Queirós, que tem o pelouro da habitação, sem sucesso. À Agência Lusa, o responsável refere que a demora no processo “não é justificável”. Quanto ao relatório da vistoria, afirma que um documento mais recente sobre a casa mostra “que não há risco de ruína, apenas más condições de habitabilidade”.

Em 2013, a CMC já tinha tomado posse administrativa da casa e levado a cabo obras coercivas de reparação do esgoto. Recuperado o valor gasto pela autarquia, a propriedade voltou para a senhoria.

Obras ou despejo

A advogada da senhoria, Ângela Frota, explica ao PÚBLICO que “o principal fundamento” para a acção de despejo é o alegado incumprimento do contrato que data de 1966: “sendo o imóvel destinado à habitação de açorianos (…) viemos a descobrir que não existe nenhum açoriano a residir no local”. A representante diz que desconhecia até há pouco tempo quem residia no imóvel. Sobre a realização de obras, a advogada afirma que “a senhoria não tomará nenhuma decisão sem ter uma ordem efectiva da câmara”. E se a autarquia determinar a realização de obras? “A senhoria ponderará qual será o passo seguinte a tomar”.

Igor Constantino, que morou na casa entre 2011 e 2014 e colocou as escoras metálicas que sustentam parte da sala de jantar refere que, quando chegou ao Solar já não havia residentes açorianos. “Tecnicamente, nem sei se pode haver essa limitação”, acrescenta.

Em Dezembro de 2018, a CMC reconheceu o Solar como entidade de interesse histórico, um mecanismo adoptado no ano passado que protege temporariamente as repúblicas do aumento das rendas, mas que não impede despejos. Ângela Frota diz desconhecer o reconhecimento da autarquia, sublinhando que “a residência de Estudantes Açoreanos não é uma república”, uma vez que, “em termos contratuais, nunca o poderia ser”. O estatuto conferido pelo município não poderá colocar entraves à acção de despejo, refere a advogada, sendo que “não pode a câmara deliberar em sentido distinto do que foi convencionado entre as partes”.

Igor Constantino argumenta que não há uma lei que tipifique uma república de estudantes “para o bem e para o mal”. Refere que a casa tem a designação de “Solar”, que era utilizada “quando havia uma casa nova”. Começava por ser solar, depois república e só depois real-república.

Esta é mais uma das casas de estudantes de Coimbra em dificuldades após a entrada em vigor do NRAU, em 2012. A primeira a fechar portas foi a República 5 de Outubro, depois de um aumento de 6000% da renda, de 12,5 euros para 764 euros. A República da Praça foi despejada em 2015, mas acabaria por conseguir adquirir um imóvel próprio com a ajuda dos antigos da casa. Já em 2018, a República Farol das Ilhas, fundada em 1960, foi despejada por ordem judicial.

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