Mais um papelinho, se faz favor

Estará na altura de se fazer um diagnóstico sério sobre o que podemos cortar e aliviar na carga burocrática que impomos sobre cidadãos e empresas.

As recentes alterações ao modelo de contribuições para a Segurança Social dos trabalhadores com trabalho independente são um bom exemplo de como as práticas da nossa Administração levam tempo a mudar.

Apesar de ter visto em três jornais informações diferentes sobre o que muda (o que diz bem da nossa capacidade de tratar em público tudo o que transcende a superficialidade do dia-a-dia…), num aspeto todos concordavam: será exigido a quem trabalha e paga impostos sem contrato de trabalho que envie, para além das declarações fiscais electrónicas, mais uma declaração adicional, de forma regular, desta vez dirigida à Segurança Social. A confiar nas informações, uma nova declaração de três em três meses.

Isto pelos vistos não chocou ninguém e provavelmente até pareceu muito bem — e moderno, se for electrónico! — a muitos. A ninguém incomoda que o Estado peça novamente que se lhe envie a informação sobre rendimentos de que já dispõe, impondo todos os encargos disso aos contribuintes? A ninguém incomoda que estejamos no trilho pós-moderno de saltar de portal em portal, quando antes se andava de balcão em balcão?

Lembro-me bem de que quando comprei uma casa há quase 20 anos tive de ir a um balcão no atendimento de uma autarquia pedir uma declaração que se destinou a ser entregue, por mim, claro, noutro balcão do outro lado da mesma sala… De nada serviu o meu protesto perante o absurdo, naturalmente perante o encolher de ombros de quem me recebia o devoto e ansiado papel. Entretanto passaram 20 anos. Décadas de mudança em tantas coisas, mas que pelos vistos não foram suficientes para impor uma lógica plena de respeito pelos cidadãos, pelo seu tempo e pelas suas capacidades de lidar com os serviços públicos.

Estará na altura de se fazer um diagnóstico sério sobre o que podemos cortar e aliviar na carga burocrática que impomos sobre cidadãos e empresas. O tópico é recorrente e permite a muitos oradores discorrer alegremente sobre o muito que se fez, se faz e falta fazer. Provavelmente falta algo diferente das palavras: assumir de forma plena e transversal que o objetivo é simplesmente exigir menos papelinhos, mesmo que sejam e-papers...

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