Os despejos de Lisboa

Estas histórias são as histórias de milhares de pessoas que estão em risco de despejo em Lisboa porque a injustiça está na lei e porque os especuladores a desrespeitam.

Há três pessoas que todos devíamos conhecer em Lisboa: o Sr. Nicola, o Sr. João e a Sra. Ana Paula. Estão na mão da Lei Cristas e dos especuladores. Todos estão em risco de despejo e em todos os casos a injustiça está na lei.

O Sr. Nicola vive no prédio Santos Lima, onde moram outras 17 famílias, 40 pessoas. Desde que foi comprado, os moradores do prédio têm sido vítimas de bullying constante por parte do senhorio: as portas foram arrancadas, as caixas do correio arrombadas, paredes foram destruídas. Vivem sob ameaça permanente.

O Sr. João tem 70 anos e arrenda uma casa em Lisboa há mais de 40 anos. O imóvel era da Fidelidade, que a vendeu aos fundos abutre da Apollo para se capitalizar para a compra dos terrenos da Feira Popular. Na última sexta passou a estar protegido pela lei mesmo depois do fim do período transitório da moratória. Ainda assim, o desequilíbrio entre o gigante fundo abutre e o Sr. João é abissal.

A Sra. Ana Paula vive num bairro municipal de forma irregular. Está desempregada e é a ama do neto enquanto a filha vai trabalhar. Foi informada que o despejo seria três dias antes do Natal. Anteriormente vivia num carro com o marido, sem condições. Conhecia, no entanto, casas municipais desocupadas no seu bairro onde havia consumo de droga e decidiu recuperar uma delas enquanto espera uma resposta positiva do concurso para habitação municipal.

Estas histórias são as histórias de milhares de pessoas que estão em risco de despejo em Lisboa porque a injustiça está na lei e porque os especuladores desrespeitam a já tão pouco justa legislação. A Lei das Rendas de Assunção Cristas abriu a caixa de Pandora: garantiu o despejo, segundo números oficiais, de mais de nove mil pessoas desde 2012 e a oposição a vários contratos anteriores ou posteriores a 1990, desprotegendo os inquilinos. Mesmo os mais velhos sentem-se hoje ameaçados de despejo das casas onde sempre viveram.

A crise na habitação criou pressão sobre as habitações municipais e agora muitas pessoas desesperadas estão a ocupar de forma irregular casas camarárias que estavam abandonadas há muitos anos. Em ambos os casos estas pessoas que não têm alternativa não podem ser despejadas por cumprimento de leis injustas.

Apesar do acordo à esquerda para aprovar a proposta do Bloco de Esquerda para a proteção dos inquilinos contra o bullying, o PS quer virar as costas à esquerda para resolver a crise na habitação. Depois de retirar a deputada Helena Roseta do grupo de trabalho da habitação no Parlamento, iniciou imediatamente negociações com o PSD. Foram as medidas da direita que criaram o problema da habitação, pelo que era vital que o PS tivesse voltado à mesa das negociações com a esquerda. Fê-lo em parte, mas um programa de renda acessível do Governo que se já era pouco apetecível, será agora ainda menos, com as borlas fiscais negociadas com o PSD. Na falta de coragem para um programa de renda acessível negociado à esquerda e que interviesse no mercado, optaram por “atirar o bebé com a água do banho”.

A crise na habitação precisa de leis justas e de investimento público. Não bastam as alterações recentes à lei dos despejos, é preciso acabar com os vistos gold e regular os empreendimentos turísticos mascarados de Alojamento Local. Se não o fizermos, dezenas de milhares de casas continuarão cativadas para negócio e não para habitação. O Orçamento do Estado de 2019 permite pela primeira vez que as câmaras municipais realizem investimentos extraordinários em habitação. Esta nova ferramenta tem de ser usada, sobretudo nos centros urbanos em crise como é o caso de Lisboa. As casas municipais e do Estado têm de ser recuperadas e postas ao serviço de habitação pública. É necessário discutir os termos de uma regularização extraordinária das pessoas que estão em casas municipais de forma irregular e que não têm alternativa.

Novos e velhos estão a perder o seu Direito à Cidade, por isso, o Estado central e local não tem direito de despejar pessoas enquanto ainda não alterou totalmente a injustiça da lei. Não podemos aceitar que os nossos concidadãos caiam em situação de sem abrigo por serem despejados de uma casa pública sem alternativa.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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