O direito à Habitação e a democracia representativa

Muitos partidos parecem ainda não ter percebido que para resolver o problema da Habitação é necessário promover um conjunto de políticas a longo prazo para o aumento de imóveis públicos para arrendamento habitacional.

Na sexta-feira antes do Natal a Assembleia da República aprovou várias medidas para alteração do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU). Estas correspondem a uma série de posições que as associações de inquilinos e proprietários tinham vindo a comunicar, algumas das quais de forma muito contundente e crispada, contribuindo para a polarização entre estes dois sectores da sociedade.

Os partidos políticos, que inicialmente também contribuíam para um discurso mais extremado a respeito dos problemas da habitação, conseguiram através dos deputados seus representantes chegar a consenso sobre medidas legislativas para descansar ambas as partes, qual presente de Natal a antecipar as eleições do próximo ano. Por um lado, destaca-se a salvaguarda dos arrendatários, com idade superior a 65 anos ou com 60% ou mais de incapacidade, que não contestaram a transição dos contratos para o NRAU, limitando as condições de não renovação e rescisões de contratos. Por outro, a atribuição de benefícios fiscais aos proprietários pela redução progressiva do IRS à medida que se aumenta, acima dos dois anos, a duração dos contratos de arrendamento.

Foi igualmente aprovada a proposta do Programa da Renda Acessível incluída na Nova Geração de Políticas de Habitação promovido pelo Governo. Esta prevê a isenção sobre os impostos de rendimentos prediais, IRS e IRC, desde que a renda a cobrar seja inferior a 20% do preço de mercado e a taxa de esforço dos arrendatários não seja superior a 35% dos seus rendimentos. Contudo, analisando o número elevado de frações devolutas e por ser uma medida contraditória face à aposta efetuada na promoção da reabilitação urbana, não se compreende a aprovação da descida do IVA para 6% para as obras de construção nova destinadas ao arrendamento acessível.

Por descontentamento ou maior consciencialização política, nas últimas eleições legislativas os cidadãos optaram por não possibilitar uma maioria absoluta aos partidos do arco da governação. O aumento da representação de “pequenos” partidos na Assembleia da República e a “geringonça” permitiram melhorar as negociações entre partidos políticos, contribuir para uma maior abertura ao diálogo com a sociedade civil, alcançar uma base comum para dar resposta às angústias e necessidades dos eleitores e possibilitar um maior escrutínio às instituições democráticas. Só com um parlamento com maior representação partidária é possível dar voz a mais cidadãos, incluí-los no processo democrático através da instituições existentes, constrangido assim o avanço dos extremismos cujos ideais podem alcançar rapidamente muitas pessoas através das redes sociais.

A procura de consensos verificada para as alterações legislativas relativas ao arrendamento não foi ainda alcançada, ou mesmo iniciada, por parte dos partidos para a proposta da Lei de Bases da Habitação. É de lamentar que esta proposta legislativa, após um período de consulta pública que decorreu até ao final de Julho, não tenha ainda sido discutida no Parlamento, especialmente porque será o documento estruturante sobre o direito à habitação e, consequentemente, de carácter definidor de um quadro legislativo que dê primazia à primeira habitação como uma necessidade social, promovendo a compatibilização com os rendimentos das pessoas e a sua a inclusão social e territorial.

Numa altura em que é importante dar resposta às preocupações das pessoas relativamente à desigualdade social e à dificuldade das gerações mais novas no acesso à habitação, verifica-se que as medidas agora aprovadas são insuficientes e não incidem nos principais fatores que contribuem para este problema. Elas não combatem a especulação imobiliária e não impedem a transformação dos principais centros urbanos em espaços predominantemente turísticos. Mais uma vez esta legislação esgota-se na ideia de modelos subsidiários com apoio público ou de “parcerias” com privados com vista à promoção imobiliária quando a oferta de arrendamento é insuficiente.

Muitos partidos parecem ainda não ter percebido que para resolver o problema da Habitação, prevenir bolhas especulativas como aquela a que assistimos, assim como regular o mercado perante os ciclos económicos, em paralelo com a Lei de Bases da Habitação, é necessário promover um conjunto de políticas a longo prazo para o aumento de imóveis públicos para arrendamento habitacional. O governo e as autarquias devem assegurar em permanência um mercado público de arrendamento acessível e sem fins lucrativos ao qual a classe média e as jovens famílias também possam aceder, promovendo a inclusão social dos mais desfavorecidos e a reabilitação urbana.

Igualmente importante é a reformulação da legislação relativa ao investimento estrangeiro, das quais se destacam os vistos gold e os benefícios fiscais para estrangeiros, redirecionando os incentivos para a criação de emprego, para o investimento em empresas ou start-up de tecnologia, economia verde ou para a investigação cientifica em detrimento da aquisição e investimento em imobiliário. Para dificultar a aposta dos fundos imobiliários no alojamento local em detrimento da habitação são essenciais outras medidas, como o reforço da exigência legal face às habitações utilizadas para fins turísticos e a diferenciação da exploração profissional da dos pequenos proprietários.

As eleições do próximo ano serão importantes para os cidadãos decidirem qual o partido político (não se restringindo apenas aos representados no parlamento ou à apologia do voto útil) que pelas soluções apresentadas responde às suas preocupações e exigências, promove o consenso e negociação com outros partidos e com a sociedade civil, defendendo a igualdade entre todos, a inclusão social, a diversidade na cidade e o direito à habitação.

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