Os desafios da nova geração do Partido Democrata no Congresso

Nunca houve tantas mulheres, e tanta diversidade. A nova maioria na Câmara dos Representantes promete fazer a diferença, numa América polarizada como nunca.

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Democratas Lauren Underwood, Jahana Hayes e Alexandria Ocasio-Cortez na abertura do Congresso esta semana SHAWN THEW/EPA
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Representante Haley Stevens Melina Mara/Washigton Post
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Deb Haaland, uma das duas primeiras eleitas nativas-americanas Joshua Roberts/REUTERS
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Rashida Tlaib, do Michigan, uma das eleitas muçulmanas pelo Partido Democrata, rodeada pela família, ao prestar juramento ERIK S. LESSER/EPA

Haley Stevens acordou cedo na quinta-feira, depois de ter ficado a trabalhar até muito tarde na quarta-feira. Afinal, não era um dia normal na vida de uma das líderes do maior grupo de caloiros na bancada do Partido Democrata na Câmara dos Representantes em mais de quatro décadas - e o grupo mais diverso de sempre.

A manhã de Stevens começou como é habitual, com uma passagem de olhos pelas notícias e uma corrida. Mas esta corrida em particular levou-a ao seu novo gabinete no edifício Cannon, no complexo do Congresso norte-americano, em Washington D.C. para ir buscar algo de que se tinha esquecido na noite anterior. Quando lá chegou, ficou sentada em silêncio durante alguns minutos na sua secretária, a pensar no futuro. “Estava pensativa. Dei-me tempo para reflectir”, disse.

Depois de Stevens ter ganho a sua eleição num distrito dos subúrbios de Detroit, no estado do Michigan, anteriormente representado por um republicano, o seu padrasto deu-lhe um presente: exemplares da Constituição e da Bill of Rights - o documento com as primeiras dez emendas constitucionais centradas, em grande parte, na garantia das liberdades individuais.

Ambos os livros estavam em cima da sua secretária na manhã de quinta-feira. Depois de passar os olhos por algumas páginas, Stevens dirigiu-se ao seu computador para recordar um marco histórico que aconteceu há 100 anos. Entre as grandes conquistas alcançadas em 1919 está a aprovação da 19.ª Emenda à Constituição, que concedeu o direito de voto às mulheres.

Na quinta-feira, a recém-eleita presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, descreveu o grupo de novos congressistas como “transformativo”, no seu discurso de tomada de posse.

Os fazedores

A Classe de 1974, conhecida como “os filhos do Watergate”, chegou à Câmara dos Representantes em grandes números após a resignação do Presidente Richard Nixon, mas a Classe de 2018 tem características únicas. “A Classe de 1974 eram os reformistas”, disse Stevens. “Nós somos os fazedores. Somos os defensores da democracia. Estamos aqui para fazer com que ela funcione.”

São palavras audazes, que reflectem a ambição e a confiança dos novos representantes do Partido Democrata cujas eleições foram alimentadas por milhares e milhares de novos activistas, na esmagadora maioria mulheres.

E também reflectem a determinação em fazer a diferença. Se a Classe de 2018 vai mesmo estar à altura das expectativas que ela própria estabeleceu, será uma das maiores histórias dos próximos anos.

O novo grupo representa uma nova geração, mais jovem e mais representativo das mudanças na sociedade do que qualquer outro no passado. Muitos vão representar eleitores de subúrbios que estavam habituados a votar em republicanos, um pouco por todo o país.

Entre eles estão uma antiga secretária da Saúde (Donna Shalala, da Florida) e duas mulheres que ainda não têm 30 anos de idade (Abby Finkenauer, do Iowa, e Alexandria Ocasio-Cortez, de Nova Iorque). Estão também as primeiras mulheres nativas da América e muçulmanas a serem eleitas para o Congresso. Há também um pediatra, um antigo jogador profissional de futebol americano (Colin Allred, do Texas, que lidera a Classe de 2018 com Stevens), e muitos com experiência em segurança nacional, incluindo várias mulheres.

Novos estilos

Duas horas antes do arranque do novo Congresso, na quinta-feira passada, Stevens estava no seu gabinete, cujas chaves recebera apenas na quarta-feira. À entrada do gabinete, o corredor do 2.º andar do edifício Cannon estava cheio de pessoas. O vizinho da frente de Stevens é o recém-eleito Andrew Levin, também do Michigan. Andrew sucede ao pai, Sander Levin, e é sobrinho do antigo senador Carl Levin. Os dois Levin mais velhos estavam no corredor, a posar para fotografias com o novo congressista da família.

No gabinete ao fundo do corredor está Alexandria Ocasio-Cortez, cuja vitória surpreendente contra o representante Joe Crowley, nas primárias do Partido Democrata do Verão passado, fez dela uma estrela a nível nacional. A multidão de jornalistas que enchia o seu gabinete e transbordava para o corredor era um indicador da rapidez com que Ocasio-Cortez se transformou na referência do movimento progressista.

“Penso que esta nova classe é única”, disse a nova congressista. “Cerca de 70% de nós nunca tiveram nenhuma experiência na política, por isso acho que vamos ver muitos estilos novos e novas formas de interagirmos com esta Câmara. Estou muito ansiosa por ver o que vai acontecer em todo o espectro político.”

As políticas de Stevens são diferentes das de Ocasio-Cortez. O seu distrito do Michigan é mais moderado do que o distrito eleitoral de Ocasio-Cortez, e ela leva para a Câmara dos Representantes uma experiência de governação que muitos dos seus colegas não têm. Em 2007 e 2008, trabalhou na campanha presidencial de Hillary Clinton, preparando briefings para uma política que é conhecida por devorar material de leitura. Nas eleições gerais, trabalhou na campanha de Barack Obama, e mais tarde entrou para a Administração Obama.

Stevens e os seus colegas chegam à Câmara dos Representantes com um Governo parcialmente encerrado por causa do impasse entre o Presidente Donald Trump e os líderes do Partido Democrata no Congresso. E chegam numa época de disfunção governamental e de polarização política, em que o Presidente está a ser investigado por um procurador especial. Para além disso, Stevens viu-se enredada num incidente internacional quando um dos seus constituintes, o ex-marine Paul Whelan, foi detido pela Rússia sob suspeita de espionagem.

A congressista do Michigan disse que tem experiência em tomadas de posse caóticas. Há dez anos, trabalhava no Departamento do Tesouro nos primeiros dias de uma nova Administração. “Estávamos no meio de uma crise económica”, disse Stevens. “A GM [General Motors] e a Chrysler estavam às portas da falência. Eu estava a trabalhar na transição [da Casa Branca] e percebi que se não tomássemos uma decisão sobre o financiamento dessas empresas, elas seriam liquidadas.”

O Partido Democrata deve a sua nova maioria na Câmara dos Representantes, em parte, à reacção contra o Presidente Trump, mas Stevens disse que a eleição representou muito mais do que isso. Segundo ela, os contribuintes estão cansados de financiar um Governo disfuncional. “O povo americano não quer disfunções”, disse. “Querem que o Governo funcione para eles e esperam que a nossa Câmara dos Representantes faça isso mesmo.”

A classe dos "nuncas"

Entre os recém-eleitos há diferentes ideias sobre a melhor forma de alcançar esse objectivo. Alguns deles vão desafiar a instituição a partir de fora. Outros vão mergulhar nas suas funções e perseguir os seus objectivos de formas mais tradicionais. Mas, como grupo, a nova classe está confortável com as atitudes e comportamentos de uma nova geração, com as redes sociais e outras ferramentas de comunicação mais informais. E é provável que venham a mudar a instituição.

Tal como muitos dos seus colegas, Stevens lançou um apelo geracional explícito durante a campanha, por uma nova geração de líderes. Quando os membros do Partido Democrata se reuniram para eleger os seus líderes, em Dezembro, Stevens não votou a favor de Pelosi na eleição para presidente da Câmara dos Representantes. Mas deixou claro, na altura, que votaria ao lado do seu partido no dia da eleição geral, que decorreu na passada quinta-feira.

A interacção com Nancy Pelosi têm sido positivas, disse Stevens. “Eu disse-lhe que ia votar noutra pessoa internamente, mas garanti que não iria abandoná-la na eleição geral”. Apesar desta questão sobre a liderança de Pelosi, Stevens votou em todas as outras mulheres que se candidataram aos vários postos de liderança no partido.

E recordou um momento que aconteceu no seu último dia no Michigan antes de viajar para Washington. Estava a fazer a sua corrida matinal. “Comecei a pensar sobre o que estava prestes a fazer - vou entrar no avião e chegar a D.C.”, disse. “Daqui a dois dias, vou tomar posse ao lado deste grupo fantástico de pessoas. E fiquei sem fôlego. Comecei a emocionar-me, a pensar sobre o significado desta classe - a classe dos ‘nuncas’, pessoas que nunca tiveram responsabilidades políticas, pessoas que estão a fazer história, que estão a lutar pelo progresso.”

Pouco antes das 15h, na quinta-feira, Stevens e todos os seus colegas tomaram posse na Câmara dos Representantes. O trabalho a sério começa agora. Há um Governo para reabrir, um Presidente que continuará a apresentar desafios, constituintes para servir. “Você perguntou-me sobre o meu dia e como me sinto”, disse Stevens enquanto se preparava para saudar amigos e familiares. “Estou concentrada. Estou aqui para trabalhar. Estou preparada para trabalhar.”

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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