Parabéns, Europa. A extrema-direita ganhou

Não é preciso esperar pelas eleições do Parlamento Europeu a 26 de Maio. Ao paralisar a Europa e ao capturar as consciências, a extrema-direita já ganhou.

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49 pessoas, incluindo crianças, foram resgatadas por dois barcos de uma ONG alemã, mas até agora nenhum país europeu aceitou recebê-los. É verdade que se "meteu" o Natal e quando se "mete o Natal" e o Ano Novo a Europa congela. O primeiro grupo de migrantes - 32 - foi salvo a 22 de Dezembro, os restantes nos últimos dias. A Europa, a braços com o crescimento da extrema-direita, está em modo pânico e olha para o lado. Não quer saber. 

Ao menos se fossem cães ou gatinhos, haveria uma opinião pública disponível para se emocionar. Como são pessoas, não têm esse benefício. Ver morrer pessoas no Mediterrâneo (em 2018 foram 2262) tornou-se um hábito e não convoca a consciência das massas.

O Papa fez ontem um apelo "do fundo do coração" para que a Europa não se mantenha congelada nas férias de Natal, mas tenha consciência do significado profundo daquilo que celebram como férias. Francisco lembrou que os barcos com os 49 migrantes esperam há dias autorização para aportar e exortou os países europeus a tomarem medidas "de solidariedade concreta com estas pessoas". 

O primeiro-ministro de Malta, Joseph Muscat, disse ontem, numa entrevista na rádio, que não vai permitir que os barcos aportem no seu país, afirmando que "é da sua responsabilidade não abrir um precedente" e que o governo tem que "encontrar um equilíbrio entre salvar a vida das pessoas e não colocar Malta e a sua segurança nacional sob ameaça". Muscat é lider do Partido Trabalhista de Malta há 10 anos - pertence à família socialista do Parlamento Europeu e não a qualquer grupo de extrema-direita. Até Di Maio, o líder do Movimento Cinco Estrelas e vice-primeiro-ministro do governo anti-imigrantes de Itália conseguiu ser mais compassivo, insistindo com o governo maltês para aceitar a entrada dos navios e afirmando que o seu país daria abrigo às 10 mães que fazem parte da tripulação e aos seus filhos, afirmando que "nenhuma criança deveria ser deixada 14 dias no mar". A proposta foi imediatamente recusada pela outra cabeça do Governo, Salvini, que rejeitou receber os imigrantes. 

Esta é a Europa em que a extrema-direita cresce e que vai engolindo os partidos tradicionais que outrora compartilhavam os valores humanistas que presidiram à fundação. O pânico da ascensão dos extremismos tornou todos os outros partidos mais parecidos com a extrema-direita, incluindo o trabalhista maltês. Não é preciso esperar pelas eleições do Parlamento Europeu a 26 de Maio. Ao paralisar a Europa e ao capturar as consciências, a extrema-direita já ganhou.

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