Globos de Ouro: a estranha noite de Bohemian Rhapsody

O filme sobre Freddie Mercury que está creditado a Bryan Singer ganhou na categoria de Melhor Filme Dramático, enquanto Green Book levou para casa três estatuetas.

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Brian May (esquerda), Rami Malek (centro) e Roger Taylor (direita) EPA/MIKE NELSON
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Mahershala Ali Reuters/HANDOUT
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Lady Gaga e Mark Ronson Reuters/HANDOUT
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Patricia Arquette Reuters/HANDOUT

Para os Globos de Ouro, o Melhor Filme Dramático de 2018 é Bohemian Rhapsody. É um filme que não tem bem um realizador. Quer dizer, Bryan Singer, que foi despedido a meio da rodagem por não aparecer a tempo e horas nas filmagens e por ter entrado em conflito com Rami Malek, o protagonista, está creditado como realizador. Porém, foi Dexter Fletcher quem completou o biopic de Freddie Mercury, e o nome de Singer, que também foi acusado de abuso sexual de menores, foi mantido fora dos agradecimentos tanto dos produtores, quando o filme venceu o último prémio da noite deste domingo, quanto de Rami Malek, quando recebeu a estatueta de Melhor Actor num drama.

Foi um dos momentos mais bizarros da 76.ª edição dos Globos de Ouro, uma cerimónia com um ritmo no mínimo estranho e que não passou na televisão portuguesa. O filme mais galardoado da noite foi Green Book — Um Guia para a Vida, de Peter Farrelly, que só se estreará nas salas portuguesas no dia 24, com três estatuetas, de Melhor Argumento, Melhor Filme — Musical ou Comédia, e Melhor Actor Secundário na mesma categoria, para Mahershala Ali. Roma, o filme Netflix de Alfonso Cuarón, não estava nomeado para Melhor Filme Dramático por ser em espanhol, mas arrecadou dois prémios, um para o realizador e outro para o Melhor Filme em Língua Estrangeira. Todos terão boas hipóteses quando forem anunciadas, a 22 de Janeiro, as nomeações para os Óscares.

As caras da mudança

A apresentação de Sandra Oh e Andy Samberg começou algo tépida, com um pretenso roast das celebridades que se encontravam na sala. A primeira leva de piadas seguiu o mesmo mecanismo que Samberg tinha utilizado em 2013, quando participou no Comedy Central Roast de James Franco: fingir que se vai dizer algo extremamente agressivo e ofensivo para uma pessoa e depois elogiá-la de forma fofa.

Os anfitriões foram melhorando. Houve espaço para piadas algo arriscadas — e nem sempre bem recebidas na sala. Não é todos os dias que, na apresentação destas cerimónias, ouvimos menções ao facto de membros do grupo revolucionário Black Panthers terem sido incriminados e assassinados por quererem justiça e igualdade, em segmentos que acabam por concluir “o mundo é e sempre foi um pesadelo, só parece pior agora por causa dos nossos telefones” (a reacção de Ryan Coogler, o realizador de Black Panther, pretexto para esse momento, não foi efusiva). 

Também houve tempo para, enaltecendo Crazy Rich Asians, comédia que não se estreou nos cinemas portugueses, atacar a tendência de Hollywood de pôr actrizes brancas a fazerem papéis que eram de pessoas asiáticas, como Scarlett Johansson em Ghost in the Shell — Agente do Futuro e Emma Stone em Aloha, o que levou esta última actriz a soltar um audível — mas não visível, já que a realização, que não foi exímia, não a mostrou — pedido de desculpas. E ainda para gozar com o facto de Hollywood, quando é preciso alguém para realizar filmes de grande orçamento, escolher quase sempre homens e raramente mulheres.

Subitamente, Sandra Oh mudou o tom da apresentação do humorístico para o sério, falando de um “momento de mudança”, protagonizado por muitas das caras visíveis na sala. A actriz canadiana, que se tornou a primeira pessoa de origem asiática a apresentar uma cerimónia do género em Hollywood, viria a tornar-se, durante o serão, a primeira pessoa asiática a ganhar mais do que um Globo de Ouro, pelo seu papel em Killing Eve —​ a série de Phoebe Waller-Bridge que ainda não teve estreia em Portugal.

Mulheres, paridade e sotaques

Mas a mudança tende a demorar, e foi Sandra Oh quem avisou que “no próximo ano” tudo “poderá ser diferente”. Logo a seguir, uma cara antiga, Michael Douglas, ganhou um Globo pela prestação na comédia The Kominsky Method, do Netflix. Seguiram-se estatuetas para Homem-Aranha: No Universo Aranha, de Peter Ramsey, Robert Persichetti Jr. e Rodney Rothman, na categoria de Melhor Filme de Animação, bem como para o escocês Richard Madden, por The Bodyguard, o britânico Ben Whishaw, por A Very English Scandal, e Patricia Arquette, que se transformou completamente para o seu papel em Escape at Dannemora.

Steve Carell deu o primeiro Prémio Carol Burnett à própria Carol Burnett, a lenda da comédia que durante 11 anos apresentou o programa de variedades The Carol Burnett Show. Mais tarde, Chris Pine honrou Jeff Bridges com o prémio Cecil B. DeMille.

Na música, Justin Hurwitz ganhou por mais uma banda sonora de Damien Chazelle, desta feita por O Primeiro Homem na Lua, seguindo-se a única estatueta para Assim Nasce Uma Estrela: Lady Gaga, Mark Ronson, Anthony Rossomando e Andrew Wyatt, pela escrita de Shallow, a Melhor Canção Original. A cantora transformada em actriz sublinhou, no seu discurso, quão difícil era ser levada a sério como mulher compositora na indústria musical.

Regina King, vencedora por If Beale Street Could Talk, a adaptação que Barry Jenkins fez do romance homónimo de James Baldwin, ganhou o prémio de Melhor Actriz Secundária num drama, e prometeu que, em todos os projectos que fizer enquanto produtora, terá 50% de mulheres a trabalhar, exortando as pessoas em posições de poder que a estavam a ouvir a fazerem o mesmo. A produção tinha começado a tocar música para ela se apressar, mas parou logo para que continuasse. A Melhor Actriz Principal foi Glenn Close, pelo papel em A Mulher, de Björn Runge, o que a poderá aproximar dos Óscares. No discurso, deu ênfase à necessidade de as mulheres não existirem só em função dos homens.

Depois de Maya Rudolph pedir Amy Poehler em casamento em palco, Mahershala Ali, que no ano passado tinha sido nomeado pelo filme anterior de Jenkins, Moonlight, ganhou pelo papel no polémico Green Book, que tem sido acusado de manipular a vida real e seguir a tradição de histórias escritas e realizadas por pessoas brancas, não colocando no centro as personagens negras.

O filme conta a história, aparentemente baseada em factos verídicos, de Tony Lip, que fez de Carmine Lupertazzi em Os Sopranos e nos anos 1960 foi motorista e guarda-costas do músico negro Don Shirley. Co-escrito pelo filho de Tony, Nick Vallelonga, que recebeu uma estatueta, pinta Shirley como alguém que estava afastado da família, um retrato que a própria família já veio a público desmentir, acusando Green Book de estar cheio de mentiras. Ali terá inclusivamente pedido desculpa à família de Don Shirley, o músico da vida real que interpreta no filme, mas esta não foi incluída no discurso. Seguiu-se o prémio de Melhor Argumento para o filme, que viria ainda a receber um já mencionado terceiro prémio, o que não bate certo com o que Peter Farrelly disse recentemente à Vanity Fair, onde se queixou de poder vir a ter “stress pós-traumático” devido às críticas negativas que tem recebido.

Patricia Clarkson ganhou o prémio de Melhor Actriz Secundária numa Série Limitada ou Telefilme pelo papel em Sharp Objects, a série da HBO baseada num livro de Gillian Flynn que não teve estreia entre nós, seguindo-se o prémio de Melhor Actor — Musical ou Comédia para Christian Bale, pelo papel de Dick Cheney, ex-vice-presidente dos Estados Unidos, em Vice, que só chega a Portugal a 14 de Fevereiro.

Tal como Idris Elba, que surgiu em palco antes, Bale puxou do sotaque britânico/galês. Foi a única estatueta para o filme, que estava nomeado na categoria de comédia, mas é uma obra mais dramática do que é normal para o seu realizador, Adam McKay, o responsável por Anchorman: O Repórter ou Filhos e Enteados — um caso parecido com o de Green Book: Peter Farrelly é metade dos Irmãos Farrelly, os responsáveis por Doidos por Mary. Bale, Whishaw e Madden não foram os únicos representantes das ilhas britânicas a vencer: Olivia Colman também ganhou Melhor Actriz — Musical ou Comédia por A Favorita, de Yorgos Lanthimos, que só chega cá no dia 7 de Fevereiro. 

Darren Criss, que numa entrevista recente à revista online Bustle disse que não iria aceitar mais papéis de homossexuais para não retirar trabalho a actores queer, ganhou o prémio Melhor Actor Principal numa Série Limitada ou Telefilme por ter feito isso mesmo, o papel de Andrew Cunanan em American Crime Story: O Assassinato de Gianni Versace — que o prémio tenha sido entregue por Taron Egerton, outro heterossexual que fará de Elton John em Rocketman, causa estranheza. No seu discurso de aceitação, dedicou o prémio à mãe filipina. A série da qual fez parte também ganhou o prémio de Melhor Série Limitada ou Telefilme.

Na comédia, Rachel Brosnahan, de Marvelous Mrs. Maisel, levou para casa o prémio de Melhor Actriz Principal numa Série de Televisão — Musical ou Comédia, enquanto o galardão máximo foi para The Kominsky Method. 

Durante a sua liderança da CBS, o agora afastado executivo Les Moonves terá tentado livrar-se de séries feitas por, com e para mulheres e promover uma programação agressivamente masculina, com séries como as criadas por Chuck Lorre, o homem por detrás de The Kominsky Method. Antes da cerimónia, no tapete vermelho, pediram a Lorre para comentar o caso de Moonves, acusado de assédio e agressão sexual, mas ele recusou-se a comentar.

Os apresentadores não se coibiram, porém, de mencionar a situação, numa das piadas mais pungentes da noite: horas antes de Lorre ter subido ao palco, Samberg e Oh apresentaram o elenco de Big Bang Theorysitcom co-criada por Lorre, como um grupo de pessoas que iria aproveitar o seu tempo de antena para criticar Moonves. As caras dos actores, que claramente não esperavam nada disto e se limitaram a ler o que tinham para ler, foram impagáveis.

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