Quanto pesa a pesca para o campeão António Xavier? “É essencial para sobreviver”

Detentor do título mundial de Masters, o atleta das Caldas da Rainha desvaloriza o factor sorte na competição — decisivo é o conhecimento (alargado) e o apuro da técnica. O próximo desafio sopra da África do Sul.

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Rui Gaudêncio

Não é de agora que Portugal se destaca na pesca de competição. Em 1999, em Tavira, em 2002, na Bélgica, em 2007, no Brasil, e em 2009, no Montenegro, a selecção nacional já foi campeã mundial de pesca, defrontando países com equipas profissionais. Recentemente, no Campeonato de Masters, foi por pouco. Portugal ficou em segundo lugar, atrás de Espanha, mas na classificação individual o campeão do mundo foi o português António José Xavier. Um exemplo de dedicação à modalidade e que no próximo mês marcará presença numa espécie de olimpíada, os Jogos Mundiais da Pesca, que decorrerão na África do Sul.

Em sete dias, Xavier pescou em Albufeira 23 peixes, sobretudo robalos e sargos, mas também douradas, tainhas, ferreiras e mucharros. Não foi uma boa pescaria, reconhece, pois, estranhamente, apesar de o mar ter estado muito mexido, a água bastante oxigenada e as condições serem boas, o peixe escasseou. Mas a sua prestação foi a melhor entre os 70 atletas de sete países (Portugal, Espanha, Itália, Irlanda, Alemanha, África do Sul e Brasil) que participaram no Campeonato do Mundo.

De resto, o número de peixes não é o factor decisivo. Interessa sobretudo o peso e tamanho e para isso existem tabelas que permitem, ao medir o peixe, atribuir uma classificação em pontos que depois é convertida em quilos. António José Xavier somou mais de 7000 pontos, um resultado que lhe garante motivação adicional para a competição que se segue

Nos Jogos da Pesca reúnem-se perto de 50 modalidades: no mar e no rio, em função do tipo de peixe capturado, apeado e embarcado e em função do tipo de embarcações, para além de haver jogos masculinos e femininos. António José Xavier já comprou o bilhete de avião para a África do Sul — a expensas próprias, claro, porque na pesca de competição quase não há patrocínios.

“Aprendi com o ti Meca, um velho pescador que tinha paciência para me levar com ele e ensinar-me algumas coisas. Depois deixei de pescar por altura do 25 de Abril, porque a actividade política não me deixava tempo livre. Regressei mais tarde a sério com os meus colegas da Escola Rafael Bordalo Pinheiro, com o meu mestre Sá Lopes e com o João Berjano. Ensinaram-me muito do que sei sobre pesca, a estar com a Natureza, com o mar e a saber usufruir dele de uma forma mais plena e íntima”, contextualiza.

O caldense gasta cerca de 4000 euros por ano só em equipamento, fora as deslocações e estadias para participar em torneios. Os treinos decorrem sobretudo na Foz do Arelho, mas Xavier pesca também em Peniche, Consolação e Nazaré. Quando o mar está bravo, tem perto das Caldas da Rainha a lagoa de Óbidos e a baía de S. Martinho do Porto.

Foi, aliás, em S. Martinho que lhe nasceu o gosto pela pesca, quando ali passava férias em miúdo. “Os treinos podem ser solitários ou com outros pescadores. Não é raro levantar-me da cama em madrugadas chuvosas de Inverno para ir pescar. ‘Morra quem se negue!’ É assim que nos picamos para que ninguém falhe ao combinado”, ilustra.

A "loucura" do recorde do mundo

Professor de Geografia e de Turismo, o campeão mundial de pesca garante que as longas horas em frente ao mar são também uma forma de aliviar o stress e esquecer a burocracia e o sofrimento a que os professores hoje em dia estão submetidos. “É essencial para sobreviver”, resume, desvendando outro dos “rituais” que alimenta quando pesca sozinho.

“Costumo levar um saco de plástico para apanhar o lixo que muitos pescadores deixam na praia — latas de cerveja, caixas de iscos, restos de comida. Até tenho vergonha de alguns pescadores. Lá nisso os surfistas são impecáveis. Vejo que também recolhem o lixo da praia”, atira.

O respeito pela natureza é, de resto, também um das características dos praticantes da modalidade, como se percebe pelo modus operandi das provas. “Em todo o campeonato [que se disputou em Novembro último] não ficou um único peixe em terra. Foram todos devolvidos ao mar. Se têm o anzol na boca, tiramo-lo porque o peixe não sofre, não tem sensibilidade naquela zona. Se vem embuchado, cortamos a linha porque o peixe consegue depois regurgitar o anzol”.

António José Xavier lembra que um bom pescador é, por definição, um ecologista e que deve ter uma atitude de desportivismo. O objectivo não é acumular peixes mortos junto à cana de pesca, mas praticar a arte e as técnicas de bem pescar, com base num profundo conhecimento sobre o mar. “Treino pelo menos uma vez por semana, às vezes durante seis a sete horas. E faço testes de lançamentos em que treino, por um lado, a distância, e, por outro, a precisão, porque é preciso saber acertar com a chumbada no local onde pensamos que está o peixe”, descreve.

Aos 59 anos, lembra-se bem do seu melhor lançamento: “Consegui uma vez lançar aos 200 metros, o que foi muito bom. O recorde do mundo está nos 310 metros, o que é uma loucura! Foi um belga, que tem 1,87 metros e pesa 120 quilos”.

Cruzamento de dados

Além do conhecimento — para detectar as “águas bonitas”, onde o peixe procura a comida — e de uma boa dose de paciência, um pescador de competição precisa de ser meticuloso. Em cada treino, Xavier regista todas as circunstâncias em que pesca, como o isco usado, o estado do mar, a pressão atmosférica, a temperatura e a cor das águas. E introduz os dados no computador para estabelecer correlações. Na hora decisiva, nos campeonatos, é este cruzamento de dados que minimiza o factor sorte e pode tornar-se decisivo.

Absolutamente decisivo a este nível é também o equipamento. Para o Algarve, o campeão do mundo levou 12 das 24 canas de pesca que possui, umas para pescar à borda da água, outras a média distância e outras para além dos 150 metros. E há as linhas que podem ser de monofilamento (mais leves e suaves) ou em fluorcarbono, que consegue ser tão transparente em águas cristalinas que os peixes não as vêem.

Falta falar nos chumbos — vão dos 60 aos 200 gramas e podem ter formatos diversos — e dos carretos. “Há os de recuperação lenta, que nós usamos quando temos que lutar com o peixe mais graúdo para o conseguir puxar para terra, e há os de recuperação rápida, que usamos para peixe de pequena dimensão que temos de apanhar depressa”, desfia.

Quanto aos locais onde qualquer pescador sonharia competir, António José Xavier destaca a costa da Mauritânia, o norte de África, a costa atlântica da África do Sul e os Açores. Mas o paraíso para quem gosta mesmo de pescar, ressalva, são as Bijagós, na Guiné-Bissau.

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