Slogan para 2019: “Portugal, há centenas de anos a fazer vinhos extraordinários”

Os acontecimentos mais marcantes de 2018 e dois desejos para o ano que agora arranca.

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Paulo Pimenta

De 2018, retenho:

A morte de Fernando Guedes, o patriarca da família que domina a Sogrape, a maior empresa do país, a única verdadeiramente global. O sector do vinho perdeu um homem de afectos, de bons modos e de honra.

A saída de Paul Symington da presidência do grupo Symington, por atingir, digamos, a idade da reforma. Quarenta anos após ter entrado no negócio da família, Paul deixa como legado uma empresa sólida, líder no segmento das categorias especiais de vinho do Porto e com grandes activos em Gaia e no Douro, onde já é a maior proprietária de vinhas. Nos últimos anos, tem sido uma das poucas vozes do comércio, se não mesmo a única, a reflectir publicamente sobre os problemas do Douro e a reconhecer que há um problema grave de mercado com origem nos baixos preços a que são pagas as uvas para DOC Douro. Agora que vai passar mais tempo na região, Paul faria um grande favor ao Douro se se assumisse como uma espécie de líder da (necessária) mudança.

A venda de uma garrafa magnum de um Porto da Niepoort de 1863, desenhada e produzida pela cristalaria francesa Lalique, num leilão em Hong Kong, por 127 mil dólares (cerca de 111 mil euros). Nunca nenhum outro Porto se tinha aproximado deste valor. São vendas destas que ajudam a elevar o prestígio dos vinhos fortificados do Douro e, por arrastamento, também o prestígio dos restantes vinhos da região e do país. Mas é preciso relativizar a euforia: no passado dia 13 de Outubro, foi vendida, num leilão da Sotheby's, em Nova Iorque, uma garrafa do tinto Romanée-Conti 1945, da Borgonha, por 558 mil dólares. Tem menos 82 anos e a possibilidade de o vinho da Niepoort estar em melhores condições é muito maior. Ou seja, ainda temos muito que andar.

O dinamismo do vinho português. O ano de 2018 voltou a ser bom para os vinhos portugueses. Pela primeira vez, as exportações de vinho devem ultrapassar a barreira dos 800 milhões de euros (previsão feita pela ViniPortugal, a associação de promoção do vinho português, com base nos resultados do primeiro semestre). Por cá, o consumo também parece estar em alta. O consumo e o número de marcas. A velocidade com que surgem novos projectos e novos vinhos em Portugal é impressionante. O mais notável e interessante é a emergência de novos projectos em lugares pouco conhecidos ou meio abandonados. Este movimento tem permitido recuperar muitas vinhas velhas e castas já em desuso.

O pior são os “excessos” que sempre surgem nestas situações. No Alentejo, por exemplo, os vinhos de talha estão a crescer tanto e tão depressa que se arriscam a ficar fora de moda em pouco tempo. De repente, parece que toda a gente despertou para as ânforas. Até em regiões onde não há qualquer tradição destes recipientes. Um dia destes, qualquer vaso de cerâmica vai servir para fazer vinho. E depois há essa guerra meio juvenil pela diferença e pelo vinho supostamente mais autêntico. É tudo “selvagem” e “natural”. Lutar pela máxima pureza num vinho devia ser uma obrigação ética de qualquer produtor, mas entregar todos os méritos de um vinho à natureza é uma fraude. O vinho será sempre uma criação humana. Qualquer dia, alguém vai engarrafar uvas inteiras, para expressar ainda melhor a casta e o terroir.

A singela homenagem a David Lopes Ramos pela sua terra natal, Pardilhó (Estarreja). Se fosse vivo, certamente que David Lopes Ramos trocaria qualquer prémio ou louvor pela Medalha de Honra que a Junta de Freguesia de Pardilhó lhe atribuiu, a título póstumo, no passado dia 9 de Dezembro. Não há maior distinção do que o reconhecimento dos conterrâneos. "O David tinha uma grande honra e paixão em dizer sempre e em qualquer lugar 'sou de Pardilhó' e esse sentimento manteve-se até aos últimos dias da sua vida, quando, já no hospital, pediu ao amigo jornalista João Paulo Guerra que lhe lesse, no dia do seu funeral, os poemas que o escritor Fernando Assis Pacheco tinha escrito sobre a Ribeira das Teixugueiras e também fez um pedido final, sereno, mas muito sentido, ao irmão Arménio para que fosse lançar as suas cinzas na ria de Aveiro. Era o regresso às origens", pode ler-se no texto que justifica a artribuição da Medalha de Honra. David Lopes Ramos faleceu no dia 29 de Abril de 2011 e, além de uma eterna saudade, deixou um legado enorme no jornalismo português, em especial na crítica de gastronomia e de vinhos, a que se dedicou na fase final da sua carreira.

Dois desejos para 2019:

Uma nova campanha para os vinhos portugueses. O vinho português já começa a ser conhecido no mundo, mas ainda por ser bom e barato. Está na hora de apresentar Portugal como um país que também produz vinhos exclusivos e caros. Basta pensar nos vinhos do Porto e Madeira velhos. Colocar nos rótulos a chancela genérica “Wines of Portugal” já não chega. É necessário um novo slogan, tipo “Portugal, há centenas de anos a fazer vinhos extraordinários”.  

O fim de uma das mais poeirentas e iníquas regras do vinho do Porto: a obrigação de possuir um elevado stock de vinhos para poder comprar e vender qualquer categoria de Porto. Um pequeno viticultor a iniciar-se no negócio do vinho do Porto que queira vender um Tawny velho comprado ao vizinho tem que possuir à partida um stock mínimo de 75 mil litros de vinho do Porto. Uns 250 mil euros, no mínimo. Sem esse stock, só pode vender o vinho de produção própria. Mas a Taylor's, a Symington, a Sogrape ou a Quinta do Vallado, por exemplo, já podem, porque possuem mais de 75 mil litros de stock (e isto não é nenhuma crítica a essas empresas). Com esta regra, qualquer jovem produtor que queira viver do vinho do Porto só pode vender o seu Ruby (Vintage e LBV, por exemplo) ou então tem que esperar umas décadas para poder começar a lançar os seus Tawny já com alguma idade. É por isso que não há jovens enólogos e produtores a entrar no negócio do vinho do Porto, ao contrário do que acontece no segmento dos DOC Douro.

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