Mulheres são mais vulneráveis na velhice por desigualdades “acumuladas” ao longo da vida

Políticas públicas devem "combater razões estruturais da vulnerabilidade de género", diz Isabel Dias, socióloga responsável por projecto de investigação sobre abusos a idosos.

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André Rodrigues

“O abuso psicológico mata tanto como o abuso físico, mas de uma forma mais lenta e perversa”, vinca Isabel Dias, socióloga responsável por um projecto de investigação sobre as determinantes sociais, económicas e de saúde dos abusos a idosos. Por isso, “não pode ser encarado como um efeito colateral da violência em geral”.

As actuais políticas públicas são suficientes?
Em Portugal tem havido um grande investimento no combate à violência de género, o que é muito importante, devido à prevalência desse fenómeno no país. Mas não há um foco, que a meu ver é igualmente importante, no combate à violência sobre as pessoas mais velhas. Os estudos existentes no país não são muitos. Os estudos internacionais apontam no sentido dos nossos resultados, para a prevalência do abuso psicológico entre a população mais velha. Existe, no entanto, a percepção de que o abuso psicológico não é um tipo de violência que mereça tanta atenção quanto a violência física. Essa é mais evidente, deixa sequelas mais visíveis. O abuso psicológico mata tanto como o abuso físico, mas de uma forma mais lenta e perversa.

Pode ser igualmente incapacitante.
Sim. E igualmente gerador de doença e de mal-estar. Priva as pessoas de qualidade de vida, de tranquilidade. Faz com que estas pessoas vivam permanentemente com medo. Em pânico, algumas. Não é por acaso que a depressão está tão presente nas pessoas que são vítimas de abuso psicológico e físico.

O abuso psicológico não pode ser encarado como um efeito colateral da violência de uma forma geral. É um tipo de abuso, como o é para as vítimas de violência de género, que é permanente, contínuo, que nunca desaparece. Estas vítimas estão em sofrimento permanente.

Quando em 2003 fiz a minha tese de doutoramento nesta área encontrei mulheres que me diziam que uma bofetada passa, “a gente esquece”. O mau trato constante, as más palavras, a infantilização, a humilhação são práticas recorrentes que causam sofrimento sem folga.

Percebemos que há preocupação por parte do poder político em adequar as políticas sociais para as pessoas mais velhas, mas a questão da violência, no meu entendimento, ainda não tem a centralidade que devia ter.

E qual é a dimensão da violência de género na velhice?
As estatísticas nacionais evidenciam que as mulheres de idade avançada continuam a ser vítimas de homens, cônjuges e filhos. Isto leva-nos a perceber que a violência de género tem continuidade no ciclo mais avançado da vida. Os resultados deste estudo evidenciam que as mulheres continuam a ser as principais vítimas de abuso psicológico e depois de abuso financeiro na velhice.

As políticas sociais têm que estar atentas às razões estruturais desta vulnerabilidade de género. Estas razões estão muito associadas a trajectórias sociais, económicas e profissionais precárias que muitas destas mulheres viveram na sua juventude. O ciclo reproduz-se na velhice. Estas mulheres acumulam vulnerabilidades de fases anteriores da sua vida – que trazem de experiências socioprofissionais precárias – e que depois se reflectem na velhice.

Temos que combater a montante e a jusante estes factores de vulnerabilidade para que não continuem tão instalados nos idosos do futuro como no presente.

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