A “sociedade civil” e os seus amigos

A “sociedade civil” é por natureza inorgânica, mas possui uma rede bem oleada com ramificações na comunicação social e nos partidos entre o centro e a direita. Algo mais perto de um lóbi poderoso do que de um fórum de reflexão.

A “sociedade civil” gosta de se mobilizar, principalmente quando no horizonte há eleições. A “sociedade civil” que se dá a esse trabalho está quase sempre nas franjas do centro direita ou da direita pura e dura, embora bem embrulhada na sempre difusa capa dos liberais. A “sociedade civil” tem como foco essencial do seu programa a “libertação” dos cidadãos. A “sociedade civil” que conhecemos no Compromisso Portugal e que agora renasce no Movimento Europa e Liberdade (MEL) é representante do mundo da livre iniciativa dos negócios, que olha para a regulamentação estadual como um obstáculo odioso. A “sociedade civil” que na próxima semana se reúne num fórum em Lisboa é por natureza inorgânica, mas possui uma rede bem oleada com ramificações na comunicação social e nos partidos entre o centro e a direita. Algo mais perto de um lobby poderoso do que de um fórum de reflexão.

O MEL (curioso acrónimo) atrai uma parte significativa do CDS, atrai a ala dissidente do PSD e tentou atrair até gente do PS supostamente horrorizada com a mácula da aliança do partido com “trotskistas, comunistas, extrema-esquerda e novos oportunistas da situação”, na definição categórica de Jorge Marrão, presidente do MEL. Mais do que discutir ideias, que de resto obedecem a um guião mais do que sabido, o objectivo dos seus promotores é garantir um espaço no debate político em Portugal. Percebe-se: se há alguns anos os termos da discussão política eram claramente impostos pela inspiração neoliberal que patrocinam, hoje quem marca a agenda é o discurso sindical, estatizante e avesso à pluralidade de interesses que hoje configuram a sociedade portuguesa.

Em tempos era o PSD que servia de pêndulo desse debate, por vezes também temperado pelo CDS. Hoje, com Rui Rio a fazer de espelho do PS e Assunção Cristas presa ao discurso social patrocinado pelo estado, o flanco mais liberal e amigo dos negócios teve de dar de novo o braço à “sociedade civil”. Claro que pelo meio há Santana Lopes ou uma Iniciativa Liberal que ora reza pelo conservadorismo liberal britânico, ora alinha com libertários inspirados em Ayn Rand que recusam coisas como os impostos.

Será curioso ver o papel que terão neste ano eleitoral. Porque depois da cassete dos salários da função pública, há necessidade de discutir o futuro fora deste cerco asfixiante. Desgraçadamente, porém, pelo que se vê por aí, contra esta barricada promete erguer-se uma barricada nova. Entre os neoliberais durões e os estatistas complacentes há todo um país moderado que reclama outra discussão.

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