Ministra da Cultura amadrinha colecção de biografias

Graça Fonseca foi esta sexta-feira à Biblioteca Nacional (BN), em Lisboa, patrocinar o lançamento de uma colecção de biografias de “grandes figuras da cultura portuguesa contemporânea”. Saiu de lá com um compromisso na agenda: solucionar as “imensas dificuldades” por que passa a BN.

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João Pedro George, Filipa Martins, Bruno Vieira Amaral, Graça Fonseca, Rui Couceiro e Isabel Rio Novo, Paulo José Miranda e Filipa Melo Nuno Ferreira Monteiro
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João Pedro George Nuno Ferreira Monteiro
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Bruno Vieira Amaral Nuno Ferreira Monteiro
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Isabel Rio Novo Nuno Ferreira Monteiro
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Filipa Melo Nuno Ferreira Monteiro
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Paulo José Miranda Nuno Ferreira Monteiro

Pela primeira vez desde que assumiu o cargo, a ministra da Cultura foi ontem à Biblioteca Nacional (BN), em Lisboa, para participar no lançamento de uma colecção de biografias em curso de publicação pela editora Contraponto. A ocasião foi aproveitada por um dos intervenientes na cerimónia, João Pedro George, para, em nome dos Amigos da Biblioteca Nacional e de “um grupo alargado de investigadores e leitores que trabalham aqui quotidianamente”, interpelar Graça Fonseca sobre as “imensas dificuldades” por que passa a BN.

Manifestando o seu apoio ao “trabalho magnífico” feito pela directora da Biblioteca, apesar das dificuldades orçamentais existentes, disse não se tratar, portanto, de “apelar à sua substituição, à vinda de um professor universitário famoso ou de um militante socialista, nem de utilizar esta casa para fazer clientelismo ou troca de favores”. Acrescentou João Pedro George que a BN precisa de “condições de trabalho dignas”, que tem “um quadro de pessoal envelhecido e deficitário” e que está “totalmente desprovida de meios” quanto às suas responsabilidades de preservação e restauro. Criticou ainda a “não existência de fundos para uma política séria de aquisições”, tendo acrescentado o sociólogo e biógrafo que tal política de aquisições não deveria confundir-se com “o folclore mediático da compra de manuscritos no OLX”.

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João Pedro George Nuno Ferreira Monteiro

Não sendo “de deixar desafios sem resposta”, mas alegando não ser a circunstância adequada à discussão dos problemas apresentados, a ministra da Cultura afirmou que teria “todo o gosto e interesse” em agendar uma reunião.

O primeiro volume da nova colecção — destinada a biografar “grandes figuras da cultura portuguesa contemporânea” e que não terá uma “periodicidade definida” de publicação, segundo o editor — chegará às livrarias no dia 15 de Fevereiro, intitula-se O Poço e A Estrada, e é uma biografia de Agustina Bessa-Luís escrita por Isabel Rio Novo, investigadora, romancista e “leitora compulsiva” da biografada desde a adolescência. Não só por isso, mas também porque o seu convívio académico com a obra de Agustina era já extenso, Isabel Rio Novo supunha conhecer bem a sua biografada. Aconteceu-lhe o que “costuma acontecer a cada passo aos biógrafos em geral: serem surpreendidos pela personalidade que estão a biografar”.

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Isabel Rio Novo Nuno Ferreira Monteiro

No caso da autora de A Sibila, afirma Rio Novo ter descoberto “uma pessoa mais interventiva e ainda mais controversa do que já imaginava”, alguém que, por exemplo, não sendo feminista, “foi, em algumas opções de vida, mais radical e mais corajosa do que muitas feministas encartadas”.

Como um romance

Seguir-se-á, provavelmente em Maio, uma biografia de Manoel de Oliveira escrita por Paulo José Miranda, poeta, romancista e cinéfilo confesso, e que contou que, quando enviou ao editor um primeiro esboço da sua biografia, este lhe terá respondido que “se quisesse o trabalho de um jornalista, tinha contratado um”. O autor recomeçou e o resultado foi “completamente diferente”.

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Paulo José Miranda Nuno Ferreira Monteiro

Virão depois as biografias de (por ordem meramente alfabética) Amália Rodrigues (por Filipa Melo), José Cardoso Pires (Bruno Vieira Amaral), Herberto Helder (João Pedro George) e Natália Correia (Filipa Martins). “Estamos a dar um contributo sério para que as biografias sejam vistas como parte da produção literária do país”, disse o editor da Contraponto, Rui Couceiro, acrescentando que se pretendeu que estas biografias sejam lidas “com vontade de saber mais sobre os biografados, mas que se lessem também como um romance”. Na verdade, e com excepção de Pedro George, experimentado biógrafo do escritor e editor Luiz Pacheco e do político Mota Pinto, os outros autores, sendo romancistas e/ou poetas já consagrados, são estreantes no género. Quase todos aceitaram “com entusiasmo” as propostas do editor, com excepção de Bruno Vieira Amaral, que contrapropôs José Cardoso Pires ao nome que lhe havia sido sugerido, e de João Pedro George, que foi quem propôs à editora biografar Herberto Helder.

Segundo Couceiro, cada volume da colecção, com capa mole, rondará as 500 páginas e deverá ter um preço de venda ao público “reduzido, para livros com estas características”. O primeiro volume, por exemplo, custará 19,90 euros. As tiragens serão, em princípio, superiores a 3 mil exemplares.

Bruno Vieira Amaral, que perseguia há algum tempo a ideia de escrever uma obra do género, e que ainda não desistiu do “sonho de vir a escrever uma biografia de Tony de Matos”, propôs-se biografar José Cardoso Pires, “não só pela admiração” que tem pelo escritor, mas também porque isso lhe permitiria fazer o retrato geracional de “toda uma época” histórica. O autor de O Delfim apresentava ainda “a vantagem de estar morto”. Amaral elogiou e agradeceu a colaboração da família do escritor e, em particular, o “trabalho notável de preservação” que tem sido feito por Ana Cardoso Pires, filha do autor (embora o espólio principal esteja à guarda da Biblioteca Nacional, Bruno Vieira do Amaral pôde consultar algum material relevante em casa dos familiares de José Cardoso Pires). Foi “fascinante”, resumiu o biógrafo, que afirmou que “poderia viver disto, da investigação, e preferia fazê-lo indeterminadamente, eternamente, se não tivesse de escrever o livro. Porque se descobre sempre alguma coisa. Espero que esta biografia não seja definitiva, mas que abra a porta para outras”.

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Bruno Vieira Amaral Nuno Ferreira Monteiro

Idêntico fascínio confessou Filipa Martins quanto à sua biografada: “Sinto que estou a espreitar pelo buraco da fechadura, mas posso garantir-vos que é muito comovente abrir uma pasta e ver originais de poemas com os quais eu cresci, e perceber onde é que ela [Natália Correia] se enganou, o que é que riscou, como riscou. Porque a Natália, quando escrevia poesia, não rasurava. Ela quase que rasgava o papel, parecia que havia uma força interior nela que se revoltava contra o que acabava de escrever. Ou perceber, por exemplo, que ela escrevia deitada”.

Filipa Martins foi uma “escolha óbvia” para biografar Natália Correia, como nos disse o editor Rui Couceiro, lembrando que a jornalista e escritora foi co-autora do argumento da série Três Mulheres, presentemente em exibição pela RTP1. “A Natália encontrou-me. Foi muito inusitado. Ela era bastante mística e, se estivesse entre nós, certamente dir-me-ia que me tinha escolhido”, disse Filipa Martins, que admitiu, porém, interessar-se mais pelos “escritos do que pelos escritores”.

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Filipa Martins Nuno Ferreira Monteiro

Sabendo, por experiência própria, que “a vida dos escritores é extremamente aborrecida”, nunca lhe tinha “passado pela cabeça” escrever uma biografia. Terá sido a “sensação de frustração” deixada pela série televisiva, que “reduz tudo ao osso”, que a levou a aceitar a proposta do editor Rui Couceiro. “Eu tenho uma dupla sorte, pois, além de a minha biografada já estar morta, a família também está”, ironizou Filipa Martins, que sublinhou o esforço feito por Helena Roseta, pela BN e pela Biblioteca de Ponta Delgada (“um trabalho exímio”) na preservação do espólio da escritora e poeta.

Provocar muitas irritações

Filipa Melo, que escreverá uma biografia de Amália Rodrigues, afirmou, contradizendo o seu editor, que é exactamente por “os biografados ainda não dispensarem apresentações que nós estamos todos aqui.” Amália foi a primeira escolha da jornalista e escritora, que lembrou que Amália “desenvolveu a sua carreira de acordo com uma intuição superior” e uma “sofisticação inata”, e que, apesar da existência de algumas aproximações “reverenciais” e mais ou menos “romanceadas” à história da vida da fadista — como as de Vítor Pavão dos Santos, que terá sido uma espécie de “biógrafo oficial” da artista, e de Fernando Dacosta —, “não existe, até à data, uma biografia propriamente dita: é isso que eu me proponho fazer.”

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Filipa Melo Nuno Ferreira Monteiro

Considerando a lendária e voluntária reclusão do autor de A Faca Não Corta o Fogo, que foi “uma espécie de homem invisível”, a biografia de Herberto Helder — na qual João Pedro George está ainda a trabalhar (“A investigação está toda feita, falta a parte da escrita”), mas que espera que venha a ser publicada até ao final deste ano — talvez seja aquela, no lote das seis ontem apresentadas, que cria mais expectativas, à partida.

O próprio autor admite que, se o poeta “estivesse vivo, não conseguiria nem metade da informação” que obteve: “Estive na Madeira, falei com familiares [de Herberto Helder] que me deram retratos dos pais, dos avós. Fiz cerca de meia centena de entrevistas, sobretudo a amigos do poeta, falei com a viúva, embora tenha demorado um ano a convencê-la a falar comigo. Mas não houve particulares dificuldades na recolha de informação, ao contrário até do que eu estaria à espera. E não houve, precisamente, porque o Herberto já tinha morrido. Tive acesso a bastante material, e material bastante surpreendente.”

Exemplos? George — que já havia biografado Luiz Pacheco, que foi, mundanamente, o oposto do poeta e o seu primeiro editor — prefere guardar eventuais surpresas para o livro, mas vai adiantando que Herberto Helder “era uma pessoa que tinha, na verdade, uma vida bastante normal e era bastante mais acessível do que poderíamos pensar”.

Aparentemente, apenas o filho do poeta “preferiu, por uma questão de respeito pelo pai, porque sabia que ele não gostaria que estivessem a fazer este trabalho”, abster-se de colaborar. Como quer que seja, George afirmou poder garantir que será “um livro bastante inesperado” e que, provavelmente, irá “provocar muitas irritações nos cultores do poeta, mas que, por outro lado, também vai aproximar o Herberto de muitos leitores”.

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