Presidente da Câmara admite aumento de bairros de lata em Almada

Inês de Medeiros, presidente da Câmara de Almada, critica a herança que recebeu da CDU: "Permanecer muito tempo no poder dá sempre mau resultado".

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Nuno Ferreira Santos

Diz que Almada tem problemas endémicos mas Almada foi governada durante 40 anos pelo mesmo partido. O que a surpreendeu nessa herança?
Houve questões ideológicas que fizeram com que Almada perdesse uma série de oportunidades e de comboios. Uma das questões mais flagrantes tem a ver com a habitação. A CDU sempre considerou que a habitação era um problema central e só acessoriamente era municipal. Havia um descartar de responsabilidades ou porque era do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) ou do Porto de Lisboa ou do Governo central. Havia uma tentação de limitar aquilo que eram as responsabilidades municipais. Vê-se a dificuldade do PCP relativamente ao diploma da descentralização. Essa tentativa de desresponsabilização sucessiva criou problemas. No caso da habitação, não havia um regulamento de atribuição municipal, não havia um levantamento sólido de quem são aquelas pessoas, não havia nenhum tipo de fiscalização.

O PER foi cumprido a 60%. Almada nunca conseguiu acabar com as suas barracas e não sei até que ponto houve um empenhamento real nisso. Neste momento, temos mais do que tínhamos nos anos 90.

Como vai resolver o problema do bairro de lata Segundo Torrão?
Não é só no Segundo Torrão mas também nas terras da Costa - e a pressão imobiliária sobre Lisboa faz com que corramos o risco de ver aumentados os bairros de lata. Não é um problema que Almada possa resolver sozinha. Vamos ter que a certa altura construir novos programas com a secretaria de Estado da Habitação. Vamos finalizar a estratégia a cinco anos que temos que apresentar ao Governo, vamos possibilitar que privados que tenham habitações em más condições possam eles próprios candidatar-se e temos que arranjar programas de renda acessível como em Lisboa.

Falou do problema da pressão imobiliária de Lisboa. Almada já sente esses efeitos?
Já. O IMT aumentou imenso. Houve um grande movimento de reabilitação e novas transacções. Depois, vê-se que, por exemplo, Cacilhas tem muitos novos habitantes. Felizmente estamos mais com alugueres de longa duração e aquisição mas não quer dizer que não venhamos a ter mais Airbn, mas deve ficar concentrado nas zonas mais junto ao rio. Sente-se também no aumento de preços de venda e arrendamento.

Como acompanha o problema da falta de oferta dos barcos da Transtejo?
Com grande preocupação. Tenho falado com a empresa e com o Governo. Vão ser lançados concursos para a compra de novos barcos mas são processos longos. Nós temos um problema imediato. Não faz sentido continuar a adiar um investimento prioritário. É preciso arranjar uma solução alternativa, seja aluguer de barcos...

A administração central não está a olhar para a margem sul?
Tem olhado. Há vários ministros da margem sul (risos). Não estão a perceber talvez a urgência até porque a ponte 25 de Abril vai entrar em obras de manutenção.

Continua a faltar a terceira ponte.
A terceira travessia. Não sei se é ponte ou túnel. No imediato, entre a ponte e o túnel é o barco. É preciso que a Transtejo arranje navios. É preciso garantir um aumento significativo das travessias e é preciso pensar algumas travessias. Belém (que faz ligação a Trafaria e Porto Brandão), por exemplo, é o sítio menos prático que existe. Era importante ligação a Cais do Sodré ou Alcântara ou até Algés, que fosse parar a um interface.

A ponte 25 de Abril vai entrar em obras. Foram previstas alternativas?
As obras serão feitas em período nocturno e aos fins-de-semana. No Verão, arrisca-se a ser um bocadinho mais complicado. O período muito longo para as obras deve-se ao facto de os períodos em que se pode trabalhar serem muito reduzidos. Independentemente das obras, a ponte chegou a um limite. Não dá para aumentar. A prioridade é investir nos barcos e encontrar uma resposta rápida que passa por mais navios e por repensar as rotas das ligações fluviais. A estrutura para o túnel do lado de Almada já foi toda feita, como do lado de Algés. Só falta o túnel. Já que a estrutura está feita vamos aproveitar para fazer a ligação por barco.

O presídio da Trafaria foi uma prisão política no tempo do salazarismo. Quer lá fazer um grande Instituto de Artes e Tecnologia. Esse projecto conta com o apoio das restantes forças políticas? Qual a melhor maneira de preservar a memória? 
O PCP não pode falar de preservar a memória. Convido-a a ir visitar as celas. Com o estado de degradação em que está é um bocado irónico ter o PCP preocupado com a memória. As celas têm graffitis, ratos Mickeys. Inscrições de presos, já não há nem uma. Estamos em conversações com a Universidade Nova, sendo que a parte das celas continuará sob domínio da câmara e será reabilitado. Se há uma força política que não pode vir com essa preocupação da história, dado o estado absolutamente deplorável a que deixaram chegar o presídio é o PCP.

No balanço de um ano de mandato, disse que a CDU é “mau patrão” e que encontrou “um clima de medo”. De que forma? 
Fiquei muito impressionada, de facto, com as condições de trabalho dos nossos trabalhadores. Falo de coisas tão básicas como o facto de os balneários femininos, no caso dos viveiros, nem sequer terem uma cortina. Noutros locais, há trabalhadores em contentores. É uma situação que me chocou muito. Eu faço parte da geração das crianças de Abril. Tenho um imenso respeito pelo PCP e pelo seu papel. Para mim, nem sequer é muito fácil ter este discurso, mas que é um discurso de verdade, e que eu nem estava à espera de encontrar. Estava à espera de encontrar aquele lado mais conservador, uma coisa muito organizada. Permanecer muito tempo no poder perverte sempre o sistema democrático, as prioridades políticas. Não é tanto a questão do PCP ou da CDU. Felizmente agora há limitação de mandatos. Este permanecer no poder durante tanto tempo dá sempre mau resultado.

Daí o clima de medo de que fala?
Penso que sim. Isto atrai uma grande informalidade e não é só a vereação que se mantém no poder mas os próprios dirigentes e depois relações muito próximas e um domínio com um sistema de apoios públicos que não era condizente com a boa gestão pública.

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