Promoção de mudanças na aprendizagem

Nenhum conhecimento, nenhuma competência é, por si só, a chave para os resultados académicos a alcançar a longo prazo.

A principal marca desta sociedade em transformação em que vivemos é a criatividade e a inovação, que é agora, mais do que nunca, uma importante força impulsionadora do desenvolvimento da sociedade.

Não se pode, por isso, pedir às pessoas que se limitem a estar equipadas com conhecimentos técnicos. Para além destes conhecimentos há que desenvolver a empatia, o pensamento crítico, o sentido estético e colocar o foco no processo e na capacidade para diferenciar e integrar, para juntar e harmonizar peças dispersas.

Os principais atributos para as crianças, os jovens e também para os adultos são, assim, o conhecimento, as atitudes e as competências para viver, aprender, cultivar afetos e transmitir um legado carregado de valores.

Há ainda que ter uma especial atenção à necessidade de uma forte sensibilidade aos valores humanos e valores como os da integridade e o respeito pela dignidade do próximo, entre outros, que foram e ainda são tantas vezes secundarizados ou mesmo desprezados. Eles têm de ser restabelecidos e reforçados, de forma a restaurar um sólido clima de confiança que permita criar condições para promover o desenvolvimento, a equidade, a justiça e a paz.

Esta necessidade de estimular a inovação, a criatividade e as competências relacionais implica garantir uma atenção especial à área das expressões e a processos de ensino/aprendizagem descentralizados, de natureza adaptativa e flexíveis, que não sigam modelos rígidos que predominaram em muitas das nossas escolas.

Foi este o desafio que o projeto Promoção de Mudanças na Aprendizagem – Comunidades Escolares de Aprendizagem Gulbenkian XXI, promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian, soube enfrentar e concretizar com evidente sucesso. O projeto, que envolveu os Agrupamentos de Escolas de Ponte de Sor, Vendas Novas e Vidigueira, ajudou a desenvolver e consolidar uma importante mudança de paradigma que está em curso no processo de aprendizagem das nossas crianças e jovens.

Com este projeto – agora concluído –, a Fundação Calouste Gulbenkian prolongou o seu percurso no domínio educativo de estimular nos jovens a aprendizagem de novos saberes e novas competências, de procurar reduzir o hiato entre a aprendizagem mais convencional, que acontece na escola, e a aprendizagem prática e interativa, que normalmente acontece fora da escola. Em colaboração com as escolas, aprofundou-se ainda o envolvimento alargado da comunidade na aprendizagem dos jovens, bem como processos de aprendizagem entre pares.

Através das suas finalidades artísticas e educativas, a Fundação Calouste Gulbenkian sempre concedeu especial atenção ao desenvolvimento das áreas das expressões artísticas, do pensamento crítico e do sentido estético e, ainda, da capacidade para diferenciar e integrar, que são também importantes referências deste projeto de Promoção de Mudanças na Aprendizagem.

Estes são aspetos reconhecidos, nacional e internacionalmente, como uma forte imagem da atuação realizada até agora pela Fundação Calouste Gulbenkian na sua finalidade educativa, estatutariamente consagrada. Para ilustrar este reconhecimento permito-me transcrever a tradução de uma mensagem que recebi no mês de Novembro passado de uma grande especialista em educação e principal organizadora de uma importante Conferência Internacional de Fundações com atividades educativas, que decorreu em San Francisco, nos EUA, sobre aprendizagem social e emocional: “Como sei, alguns dos tópicos que vamos tratar nesta conferência são o tipo de ideias de que a Fundação Calouste Gulbenkian é desde há muito tempo uma campeã nos apoios concedidos, mesmo antes da Aprendizagem Social e Emocional se ter tornado um termo em moda.”

Com este projeto demonstrou-se como a educação serve para preparar as crianças e os jovens para a vida que vão ter de enfrentar e não diretamente para o mercado de trabalho como, infelizmente, há quem ainda preconize olhando para o currículo escolar como um instrumento direto de resposta às necessidades de emprego e dos perfis profissionais de um futuro que sempre foi imprevisível e que agora muda a um ritmo muito mais veloz do que no passado.

Ao sistema de ensino compete, primordialmente, promover o desenvolvimento integral dos cidadãos e, nesse quadro, proporcionar condições para a inserção no mercado de trabalho das crianças e dos jovens que o frequentam, dotando-os com sólidos conhecimentos nas disciplinas básicas; promovendo o desenvolvimento da inteligência emocional, da criatividade e da interação social; e sabendo utilizar, de forma adequada, as novas tecnologias educativas como poderoso instrumento para melhorar as condições de aprendizagem, mas também para promover a inovação educativa e potenciar a inovação em múltiplos outros domínios.

Há que saber equilibrar – nunca excluindo nenhuma das componentes – a aquisição de fortes e sólidos conhecimentos de base, progressivamente mais exigentes, com o desenvolvimento de competências emocionais e sociais, o que as escolas devem e podem fazer como mais ninguém. Parece que também há quem não entenda que a interação entre aquelas duas componentes é indispensável para o completo e harmonioso desenvolvimento das crianças e dos jovens e, assim, não perceba o relevante papel das escolas no desenvolvimento das pessoas e do país.

Assistimos hoje também a quem proclama a absurda, incompreensível e disparatada segmentação de uma das componentes formativas em relação a outra, aproveitando-se do natural e necessário processo de valorização de aprendizagem das competências emocionais e sociais que, erradamente, foram tão desprezadas no passado, e desvalorizando, por ignorância, a necessidade de sólidos conhecimentos de base, contrariando a importância da integração equilibrada de todas as valências formativas e chegando mesmo a promover a disputa de importância de uma em relação à outra.

A divisão entre conhecimentos e competências cognitivas e não cognitivas é falsa porque as duas se sobrepõem, são interdependentes e se reforçam mutuamente. Nenhum conhecimento, nenhuma competência é, por si só, a chave para os resultados académicos a alcançar a longo prazo.

Como todos sabemos, incumbe às escolas, que garantem a exigência legal de cumprimento da escolaridade obrigatória, assegurar todos os conhecimentos e capacidades referidas, recorrendo, sempre que necessário e possível, à qualificada colaboração da comunidade através de entidades exteriores, como exemplarmente está a acontecer em tantas escolas. Não creio é que seja boa solução esquecer as escolas e procurar alternativas de duvidosa eficácia.

A formação das crianças e dos jovens tem de ser assegurada, de forma integrada, na atividade escolar formal com professores muito bem preparados e com a colaboração crescente nas atividades escolares de toda a comunidade, que ajudará os professores na sua difícil e complexa missão.

Trata-se de, gradualmente, alargar a escola e trazer para dentro dela os preciosos contributos formativos que a comunidade lhe pode conceder. E para que esses contributos formativos possam ser relevantes é preciso que num diálogo construtivo se definam adequadas estratégias formativas flexíveis que em cada caso concreto se adaptem às necessidades de cada instituição e à capacidade de responder às necessidades de cada estudante.

As crianças e os jovens devem ser ensinados onde estão e de acordo com o nível de conhecimentos que efetivamente têm, não onde se quer que eles estejam e com o nível de conhecimento que os formadores pretendem.

Procurar, por exemplo, construir uma via paralela de formação segmentada e parcelar, destinada a assegurar competências que cabe ao sistema formal de ensino garantir, não é um bom caminho e corresponde a um retrocesso na formação de crianças e jovens, para além de revelar um inexplicável e absurdo preconceito contra as escolas.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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