Maiores investidores portugueses “desapareceram” da Bolsa

A “indústria” nacional de fundos de investimento e gestão de activos encolheu com a crise financeira, mas também com os problemas dos bancos portugueses. E isso reflecte-se na reduzida liquidez da bolsa de Lisboa e na sua capacidade para atrair novas cotadas.

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Nuno Ferreira Santos

Onde estão as sociedades nacionais gestoras de fundos de investimento e de fortunas? Estão cada vez mais concentradas em grupos estrangeiros, especialmente espanhóis (Santander, BPI e BCP), ou reduzidas à gestão de um pequeno número de fundos, com montantes sob gestão cada vez mais reduzidos, como é o caso da ESAF (do antigo BES), e da Caixagest (da CGD). E onde realizam suas aplicações? Boa parte em activos financeiros (acções, obrigações e outros) estrangeiros, e apenas uma pequena fatia em títulos nacionais.

O maior segmento desta indústria, o da gestão individual ou personalizada de activos (gestão de patrimónios, corretagem e outros), ascendia em Setembro a 64.168 milhões de euros, o que corresponde a um decréscimo de 0,6% face ao segundo trimestre, segundo dados da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Neste caso, o investimento em acções nacionais foi de apenas 697,6 milhões de euros, o que corresponde a 1,1% da carteira total.

Na componente dos fundos de investimentos nacionais, designados de organismos de investimento colectivo em valores mobiliários (OICVM), o desinvestimento nacional é idêntico. Os dados mais recentes, de Novembro, mostram que tinham sob gestão 10.660 milhões de euros, menos 141,3 milhões euros do que em Outubro. Em 2008, o valor estava em 14,3 mil milhões de euros, ano em que se verificou uma redução de 44% face a 2007.

Do montante sob gestão, apenas 8,4% era aplicado em valores cotados em Portugal, contra 14,5% no Luxemburgo, 13,8% no Reino Unido, 13,6% na Alemanha, 11,4% nos Estados Unidos. Dos 1406 milhões de euros aplicados especificamente em acções, só 171 milhões de euros (12,2%) foram realizados em cotadas nacionais, uma queda de 2,1% face ao mês anterior. O valor ficou bem abaixo dos 559,2 milhões de euros realizados nos Estados Unidos (39,8%). Na dívida pública, as obrigações italianas (34,0%) estão à frente, seguidas das portuguesas (18,3%).

A indústria nacional de fundos e gestão de activos sofreu um duro revés com a crise financeira internacional, agravada com a queda de vários bancos, devido a práticas de gestão imprudentes e fraudulentas. Desde 2008 desapareceram BPN, BPP, BES e o Banif, provocando perdas elevadas a investidores nacionais e estrangeiros, e à economia no seu todo. Nos anos mais recentes, outros bancos, incluindo a CGD, precisaram de ajuda do Estado para se recapitalizarem, o que também teve impacto negativo no mercado de capitais.

Na sequência da crise bancária, algumas gestoras de activos desaparecem, outras encolheram e outras foram forçadas a “emigrar”, quebrando-se a proximidade à bolsa nacional, o que é importante para a viabilização de novas operações em bolsa. E há um exemplo recente da falta de resposta nacional: a par da conjuntura adversa dos mercados mundiais, foi visível a reduzida procura interna nas dispersões da Sonae MC (que detém a Modelo Continente), e da Vista Alegre, que acabaram por ser suspensas, e que levaram ao adiamento da Sience4You. A entrada de investidores estrangeiros chega, normalmente, depois de os nacionais sinalizarem a sua aposta logo no arranque das operações domésticas.

No âmbito da crise bancária, uma das principais gestoras a perder relevância foi a ESAF, a antiga gestora de activos do BES, entretanto integrada no Novo Banco, com a designação de GNB - sociedade gestora de fundos de Investimento. De acordo com os dados da CMVM, a GNB detinha apenas 3,2% de quota de mercado em Novembro passado, gerindo 10 fundos de investimento e relegada para o quinto lugar no ranking do sector.

No primeiro lugar está a Caixagest, com 22 fundos e 33,2% de quota de mercado, mas longe do dinamismo do passado. No universo de 12 sociedade gestoras, as quatro maiores, onde figura a do BPI, a IM (ex-BCP) e a do Santander, detêm mais de 90% da quota de mercado, o que mostra a reduzida dimensão das restantes.

A crise bancária levou à venda de algumas jóias da coroa na gestão de activos. Foi o caso do BPI que, depois de dominado exclusivamente pelo Caixabank, viu este segmento de negócio passar para Espanha. Ou do Millennium BCP, que foi “obrigado” a vender a sua unidade aos espanhóis da CIMID, por necessidades de liquidez, no âmbito do acordo assinado com a Direcção Geral da Concorrência Europeia. Nesta imposição, na sequência dos remédios impostos pela ajuda estatal, não foi tido em conta o impacto negativo no mercado nacional. O BCP continua a comercializar fundos da CIMID, sob a marca de IM Gestão de activos.

O Santander Totta também vendeu metade da actividade à casa-mãe, o grupo Santander, e agora está concentrada na Santander Asset Management, uma gestora global, com presença em 11 países.

Ainda a propósito da crise financeira na gestão de activos, a presidente da CMVM, Gabriela Figueiredo Dias, presidente da CMVM, lembrou recentemente que o sector bancário resistiu “a uma grave crise de liquidez entre 2010 a 2013 à custa de transferências consideráveis de recursos dos fundos e seguros para depósitos”. E no âmbito dos condicionalismos que enfrentam as gestoras de fundos, destacou “a crise gerada pela falta de confiança dos investidores em Portugal, em consequência de determinados eventos financeiros e medidas de resolução (como os casos do BES, PT e Banif)”.

A redução da actividade de gestão de fundos e fortunas, uma actividade maioritariamente ligada aos bancos, é causa ou consequência da reduzida dimensão do mercado de capitais português? Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa, defende que “é uma consequência”, acrescentando que “a redução de intermediários financeiros, de empresas cotadas e de investidores é o resultado de muitos anos de más opções que retiraram atractividade e credibilidade à praça portuguesa”. E prevê que “o trajecto actual se mantenha ou se agudize”.

A perda de importância do mercado nacional também se explica pelo facto de “a globalização ter permitido o acesso dos investidores nacionais a outros mercados mais eficientes e mais competitivos”, defende Paulo Rosa, em declarações ao PÚBLICO. O senior trader (corretor sénior) do banco, alerta que, para mudar a actual situação, “é preciso inverter o rumo da economia portuguesa”, uma vez que, “sem uma economia reestruturada e capaz de gerar crescimento, dificilmente existirão grandes capitalizações na bolsa nacional”. Paulo Rosa conclui ainda que “a entrada na Euronext, há 20 anos, pode ter sido uma boa opção na altura, mas, ao mesmo tempo, contribuiu para uma maior irrelevância do mercado nacional”.

Sem a contribuição de capitais nacionais, boa parte canalizado para depósitos bancários e para os produtos do Estado, será mais difícil à Euronext Lisbon contrariar a perda de relevância. Desde 2010, saíram 24 empresas, muitas delas relevantes, e entraram 10, boa parte de pequena dimensão.

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