Director do Museu Nacional de Arte Antiga sai em Junho e o director-adjunto também

António Filipe Pimentel terminará a sua comissão de serviço no Verão, depois de nove anos à frente de um dos principais museus nacionais, com um trabalho de méritos reconhecidos. Sai com fortes críticas ao diploma que o Governo tem em preparação para a gestão dos monumentos e colecções públicas.

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António Filipe Pimentel frente aos Painéis de S. Vicente, imagem de marca do museu que dirige Rui Gaudêncio

Director do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) há quase nove anos, António Filipe Pimentel lidera uma equipa que desde 2010 já renovou várias galerias do museu, com destaque para as dedicadas à pintura e à escultura portuguesas, criou uma nova dinâmica na biblioteca da casa, promoveu campanhas de angariação de fundos inéditas em Portugal, realizou exposições sobre importantes artistas nacionais que resultaram em parte de trabalhos de investigação de referência dos seus conservadores e outras em parceria com colecções internacionais de referência, como a que em 2017 mostrou em Lisboa dezenas de obras dos Museus do Vaticano ou das galerias Borghese e Corsini. Mas a sua missão, comunicou esta manhã à ministra da Cultura, Graça Fonseca, terminará no Verão: este historiador de arte de 59 anos que não tem poupado críticas às políticas públicas para museus, palácios e monumentos não tenciona voltar a concorrer ao cargo de director do MNAA. 

António Filipe Pimental anunciou a sua decisão durante uma reunião no Palácio Foz, em Lisboa, em que estiveram presentes os directores dos museus, palácios e outros monumentos da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), assim como os directores regionais de Cultura. Uma reunião que Graça Fonseca convocara em torno da proposta de decreto-lei para a autonomia destes equipamentos afectos à DGPC, diploma já muito contestado, até publicamente, por vários destes profissionais.

“Confirmo que não me candidato [ao cargo de director]. As reservas que tenho em relação ao diploma são conhecidas. Não vale a pena voltar a elas”, disse Pimentel ao PÚBLICO horas depois da reunião.

Nos últimos meses, o ainda director do MNAA, cargo que por inerência o faz figurar entre os subdirectores-gerais da DGPC, manifestou-se várias vezes contra a proposta de decreto-lei que a tutela preparou ainda com Luís Filipe Castro Mendes no ministério. Foi, aliás, o primeiro-ministro, António Costa, o primeiro governante a falar publicamente sobre a urgência deste diploma que pretende tornar mais ágil a gestão dos museus e monumentos nacionais. Pimentel está entre os que defendem que a proposta de decreto-lei é bem-intencionada, trazendo algumas vantagens para os museus no que toca à gestão da receita que geram, mas fica aquém das expectativas, privando o MNAA, concretamente, de aceder à autonomia plena que há muito reclama.

Em Julho de 2018, quando começaram a surgir as primeiras notícias sobre a proposta de diploma, o PÚBLICO teve acesso a um comentário escrito que o director do MNAA fez chegar ao gabinete de Castro Mendes e em que tornava claro o seu descontentamento. Defendendo que a tutela o afastara deliberadamente do debate em torno de um decreto-lei que tinha entre os seus principais objectivos o de retirar a Arte Antiga o seu estatuto de “primeiro museu nacional”, Pimentel argumentava que, sem um número fiscal próprio, os equipamentos continuariam reféns de uma estrutura central inoperante e burocrática – a DGPC.

“Como podem serviços dependentes sem identidade fiscal, mesmo com uma delegação de competências, adquirir (ao que se supõe em nome próprio), bens e serviços, lançar concursos e adjudicar empreitadas, ou gerir fundos europeus, é matéria que transcende a comum imaginação”, escrevia nesse comentário, contestando ainda a insistência do decreto-lei em sublinhar a importância dos objectivos “mensuráveis” na hora de avaliar a prestação de um museu, quando boa parte do seu trabalho – a investigação de elevado rigor científico que produz conhecimento sobre as colecções à sua guarda ou o trabalho pedagógico com públicos específicos – só pode ser apreciada qualitativamente.

José Alberto Seabra Carvalho, historiador de arte de 66 anos que é director-adjunto do MNAA, também deixará as suas funções em Junho "por solidariedade" com Pimentel, que o convidou para o cargo. Nos quadros de Arte Antiga há quase 30 anos, Seabra Carvalho diz que "não faz sentido continuar": "Dá-se a coincidência de eu atingir, a meio do ano, a idade da reforma, mas eu nunca ficaria com responsabilidades de direcção sem o António Filipe Pimentel. Numa direcção bicéfala como esta, as funções são diferenciadas — eu assumo mais o papel de responsável pelas colecções e o António uma visão de conjunto, estratégica — mas só há um corpo."

O PÚBLICO procurou ouvir a ministra da Cultura durante a tarde, mas Graça Fonseca, a sétima titular da pasta desde que Pimentel se tornou director do MNAA, não esteve disponível para comentar a sua saída nem as críticas que o historiador de arte reiterou ao diploma esta quarta-feira. Do seu gabinete veio a informação de que fora de facto convocada "uma reunião privada com todos os directores dos museus, palácios e monumentos tutelados pela DGPC para este primeiro dia útil do ano" e de que o "decreto-lei [para a autonomia de gestão dos museus e monumentos] será brevemente apresentado em Conselho de Ministros". Será já à luz deste novo diploma que, "terminadas as comissões de serviço em curso", se abrirão concursos internacionais para todos os lugares de direcção em todos os equipamentos da DGPC.

"A situação é preocupante"

José Alberto Ribeiro, director do Palácio Nacional da Ajuda desde 2013, também é muito crítico em relação ao novo diploma, embora defenda que alguma autonomia de gestão sempre é melhor do que nenhuma. Presente na reunião desta quarta-feira, ouviu Pimentel pronunciar-se sobre o diploma e anunciar a sua saída, que considera "uma grande perda para os museus nacionais": "O seu trabalho, o seu esforço, à frente do MNAA teve resultados óbvios na projecção nacional e internacional do museu. Quando ele chegou muita gente não sabia sequer onde era. O António e a sua equipa mudaram isso."

Lembrando que, nos últimos anos, o MNAA tem vindo a apresentar à tutela propostas de modelos de gestão, planos de crescimento de visitantes e até de área — Pimentel tem defendido a ampliação do museu para a Avenida 24 de Julho e há até já um projecto a mostrar como pode ser feita —, o director da Ajuda elogia um "museu em crescimento que não pode estagnar". Em 2010, o MNAA fechou o ano com 118 mil visitantes. De acordo com a DGPC, em 2017 foram quase 213 mil os que acorreram ao museu da Rua das Janelas Verdes.

"As queixas que o director do MNAA tem são comuns a outros directores de museus e palácios, e têm anos: falta de investimento; equipas reduzidíssimas e a trabalhar sempre em esforço; quadros de pessoal envelhecidos, sobretudo no que toca aos técnicos superiores sem os quais estas casas não cumprem as mais básicas das suas funções, as da salvaguarda e do estudo das suas colecções...", lamenta José Alberto Ribeiro. "Se o novo diploma trouxer alguma autonomia e a possibilidade de afectar alguma da receita gerada nos próprios equipamentos, elas são muito bem-vindas, mas sem dinheiro e sem recursos humanos a delegação de competências que prevê não servirá de muito. A situação é preocupante", conclui.

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