Se de Borba sai lava, de Môrus sai pedra-pomes

Com uma tragédia tão recente e largamente noticiada em mente, um anónimo adiciona em VIDEOCLIPE.PT o link de um vídeo intitulado Borba, obra de um projeto novo com o estranho nome de Môrus. Era irresistível pensar na possibilidade de alguém criar uma banda só para fazer humor negro (o vídeo até é a preto e branco) sobre um inenarrável castelo de cartas fortificado em pleno Alentejo no tempo dos mouros, já que não há portugueses responsáveis por tão vulnerável alvenaria. Mas não. Depois, pensando melhor, saímos desse caminho (mental) rebuscado.

Na verdade, Môrus é um duo lisboeta criado por Alexandre Moniz e Jorge Barata em meados de 2017. E é em dezembro desse ano que lançam este seu primeiro tema, sendo recuperado em setembro de 2018 para um EP homónimo com mais outros quatro. Mas, como atualmente a música se afere cada vez mais por uma pedra de toque audiovisual — o videoclipe —, este só foi lançado há poucos dias. E nele surgem duas personagens misteriosas, de terras e tempos distantes, em demanda desvairada para um duelo frente a frente de desenlace insondável. Embora sem base dramatúrgica, não deixa de haver um princípio de storytelling no desencadear de uma ação, causando expetativa com o seu climax. No entanto, aquilo que o seu autor, Alexandre Guerreiro, melhor consegue é conceber uma proposta metafórica do som e da letra com belas imagens a preto e branco, e saber dosear estas em função das nuances de intensidade rítmica e emocional desta música estranha.

É curioso, mas se há algo de estranho neste som é por este rock conter elementos da tradição rural portuguesa e não da americana. O que diz algo sobre como nós portugueses tratamos tanto a nossa própria música como o próprio território interior. Se as guitarras, e os seus loops, começam por borbulhar umas ideias paisagísticas, a evolução faz-se com vozes que declamam, mas logo a seguir já exclamam. E nesta progressão, uma ancestralidade rítmica tribal vai incutindo uma força vulcânica, na qual as guitarras já chispam e os versos repetidos saem em brado angustiado. Apetece dizer que se deste Borba sai lava, o que sai de Môrus é um som novo e original que só pode ser chamado de “rock-pomes”.

Texto escrito segundo o novo Acordo Ortográfico, a pedido do autor.