“Mandam-nos contratar e depois não dão dinheiro. É o velho problema”

"Fazemos a ginástica máxima para fazer com que as coisas encaixem umas nas outras, mas temos uma dificuldade imensa", diz o reitor da Universidade de Coimbra.

Foto
PAULO PIMENTA

Como vê o atraso no processo do emprego científico?

[Pausa] Enfim, isso do emprego científico é uma história muito comprida.

Tenho tempo.

O emprego científico é um nome para o decreto-lei 57/2016, que tem muitos problemas. Um deles – do qual me queixo mais intensamente – é que faz uma discriminação negativa imensa das universidades de direito público. A nossa estrutura de financiamento tem uma percentagem elevada de financiamento competitivo, com durações variadas. Enquanto nas instituições privadas a duração do contrato pode ser igual à duração do projecto, nas instituições públicas não. São três anos. Quando temos um projecto que dura dois anos, como é que contratamos alguém durante três anos? Não há dinheiro. Fazemos a ginástica máxima para fazer com que as coisas encaixem umas nas outras, mas temos uma dificuldade imensa.

O que acontece quando a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) deixa de financiar esses contratos?

Não acontece nada. Acabaram os contratos, que são a termo. E mesmo a FCT não os paga todos. Neste momento, em que lançámos na UC cerca de 130 concursos, há muitos deles que ainda não sabemos se a FCT vai pagar. As universidades inventam dinheiro onde? Mandam-nos contratar e depois não dão dinheiro. É o velho problema. Uma coisa desagradável, que já ouvi dizer muitas vezes, é que as culpas são dos dirigentes das instituições. Não há nenhuma instituição que não queira contratar o máximo número de pessoas de qualidade. Mas é preciso ter dinheiro.

Uma das acusações que lhe fazem é usar como pretexto o impacto financeiro na UC.

Claro. Mas as pessoas, quando são contratadas, não querem receber salário? Uma das coisas óbvias quando se contrata alguém é ter capacidade para lhe pagar.

Mas a lei determina que se contrate.

Mas também determina que não posso comprar nada se não tiver dinheiro para isso. O Tribunal de Contas multa, prende-nos, põe-nos processos. Se há lei violenta desse ponto de vista é a Lei dos Compromissos dos Pagamentos em Atraso. Como é que nós fazemos quando as leis são inconsistentes? Se olhar só para uma, tudo bem. Quando olhamos para várias [leis] e vemos que não encaixa, fazemos o quê?

Vou supor que a resposta em relação ao Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários da Administração Pública, que também está atrasado, seja semelhante.

É. Não há nenhum financiamento, basicamente. Já a noção do que é um precário é difusa porque quando temos 50% do financiamento do Estado apenas, e uma boa parte do resto é feito com base em projectos, naturalmente que uma parte substancial das pessoas é transitória, por inerência à própria maneira como o Estado financia ou não as instituições. A necessidade permanente de um projecto, que é a noção que lhe está associada, é permanente durante dois ou três anos, que é a duração do projecto. Não é uma necessidade permanente, é uma necessidade transitória.

Por falar em financiamento, em vários anos há nota de dívidas do Estado para com as universidades. E este ano, quanto?

Não sei de cor. A FCT tem. Arranjámos um esquema – aquilo a que chamámos o banco universitário – que nos permite adiantar dinheiro e amortecer os atrasos da FCT. Preocupa-me que o Governo não nos tenha dado o dinheiro necessário para cobrir os aumentos salariais. Deu-nos pouco mais de metade. E outra coisa que o Governo não nos tem dado: com este abaixamento das propinas, o impacto vai lá para os três milhões.

Desses três milhões de euros, há uma previsão de cobertura governamental?

Na lei diz que vai haver. Mas isso já vimos várias vezes. Quando essa alínea foi introduzida no OE podia-se ajustar já a dotação das universidades para compensar as propinas. Não aconteceu nada. Nada impede o Governo de, durante o ano, depois nos compensar.

Desconfia?

Vão dar-nos parte, que é o que tem acontecido.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários