Este bar é uma grande sala de estar na Graça. E não é só para Camones

Tem música ao vivo, tudo assente no improviso, sessões de open mic para dizer (quase) tudo o que apetecer. Na Graça, este bar quer ser um ponto de encontro entre os do bairro e os "camones" que vão chegando. E os animais também são bem-vindos.

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Nuno Ferreira Monteiro
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Foram os operários que fizeram aquele bairro quando Agapito Serra Fernandes, um industrial de confeitaria de origem galega, mandou construir um bairro para os seus trabalhadores. Era início do século XX, quando esta vila operária, com 120 casas, se formava na Graça, seguindo o traçado do arquitecto Norte Júnior.

Ali, acabaria também por nascer o Cinema Royal, e um clube, o Recreativo do Bairro Estrela d'Ouro. E havia de ser por causa deste clube que o Camones nasceria.

Não se sabe como este clube acabou, mas nos últimos anos de actividade acabou por se tornar um reduto de homens que ali se juntavam para jogar a dinheiro como num casino ilegal. Depois disso, acabou abandonado.

Passaram mais de 100 anos, os operários desapareceram, os turistas chegaram e as casas estão a ser recuperadas. O bairro continua como propriedade privada, por isso, numa zona onde o corrupio de tuk-tuk em direcção ao miradouro da Senhora do Monte não pára, estes veículos ainda não passam.

Um dia, Cláudia Loureiro, 50 anos, entrou por ali dentro e ficou "deslumbrada". "Tenho gravado na minha cabeça como isto estava. Era escuro, tinha mesas, armários com prateleiras com troféus, livros. Tinha um minipalco", conta.

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Cláudia queria aproveitar a onda turística dos alojamentos locais (AL). Ela própria tinha alguns AL e começou a perceber que, enquanto as casas não estavam prontas, entre um hóspede e outro, os turistas acabavam por não ter um sítio onde guardar as malas. Era ali naquele espaço, da Rua Josefa Maria, que Cláudia queria abrir um espaço que os pudesse acolher durante a espera. "Eu já andava a sondar este clube que sabia que estava abandonado", conta Cláudia. Só que o clube tinha acabado de ser arrendado a outra associação e a ideia teve de ir para outro lugar.

O espaço que Cláudia idealizava acabou por surgir em Agosto de 2016 na Rua dos Bacalhoeiros, ao pé da Casa dos Bicos. Um escritório que transformou numa casa para ser uma "base de apoio" aos turistas que chegam para alojamentos locais.

Passados dois anos, a associação que tinha arrendado o clube saiu. E as portas fecharam-se novamente, para voltarem a abrir depois de sete meses de obras. "Sabe o que é que me levou mais a ficar com o espaço? Se eu não for alguém vai. E eu não aguentei. Era uma sensação quase de ciúmes", confessa Cláudia. Arrendou o espaço, e quis adaptá-lo também a um espaço de espera dos turistas. Mas as coisas não correram como o esperado. "Não tenho vergonha de dizer que não resultou", diz.

Acabou por abrir em Setembro e, desde então, tem sido "um fenómeno, um fenómeno maravilhoso". "Muita gente muito gira, a vir tocar”. De todas as idades, de todas as nacionalidades que ali deixam os instrumentos.

Deu-lhe o nome de Camones como referência aos estrangeiros que chegam aos magotes à cidade. Mas este é um espaço que se quer também do bairro. E quis fazer dele “uma sala de estar gigante”.

“Há duas noites estava um casalinho, ela pôs as pernas por cima dele e tapou as pernas com um casaquinho. E estiveram assim a noite toda. Eu adoro. É exactamente isso. A ideia é as pessoas se sentirem aqui como uma grande família numa sala de estar gigante”, diz Cláudia.

A única regra é a do bom senso e do respeito pelos artistas que, espontaneamente, ali acabam por se conhecer e tocar juntos.

Ali, apesar das mesas e das cadeiras de cada nação, é de se puxar a almofada e sentar no chão a ver um concerto ou um filme. A jogar com monopólios “velhinhos”, cartas, dominós, setas ou numa velha máquina do Pac-man.

A máquina de costura Singer da entrada é de uma casa do bairro. Há um bidé na zona das casas de banho que sobrou de umas obras do bairro e que hoje está cheio de flores.

Não peçam rotinas a Cláudia. O que ali é recorrente é a jam session de domingo, sempre informal, e o open-mic às terças-feiras de 15 em 15 dias. Nestes dias, há dez minutos para quem quiser pegar no microfone e fazer o que lhe apetecer: cantar, dizer um poema, filosofar, contar umas piadas.

O Camones abre todos os dias, excepto às quartas, às 17h e fecha um pouco depois das 23h. Os animais de estimação também são bem-vindos.

Bebe-se Oitava Colina à pressão (2 euros) e em garrafa (4 euros). Bebe-se vinho tinto e branco a copo de Reguengos (2 euros). Há também ginjinha, amêndoa amarga, moscatel, licor Beirão, vinho da Madeira e vinho do Porto (entre os 2 e os 4 euros).

"Isto não é um café. Não é o conceito", nota Cláudia. Ainda assim, há também o que petiscar: hambúrgueres (entre os 6 e os 7,5 euros), que Cláudia diz serem comprados num talho do bairro, servidos com batata frita, e bifana no pão (4 euros), tábua de chouriço e queijo (7,50 euros), sopa do dia (3 euros), gaspacho com croutons (4 euros).

O futuro do Camones é continuar a abrir as portas, principalmente aos artistas. "Quando era clube recreativo tinha as portas fechadas. Quando era casino clandestino as portas estavam fechadíssimas", diz Cláudia. Por isso, a porta está sempre aberta a quem venha da China ou das Olaias.

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