Uma cláusula de backstop para a coesão territorial

A própria União Europeia deveria estar predisposta para desligar política de coesão e política orçamental, criando para o efeito uma “cláusula de backstop”, ela própria, evidentemente, com regras de condição e resultados.

Agora que se discute o novo quadro financeiro plurianual (QFP) para a década 2020-2030, trago à discussão um tópico de política pública que me parece essencial para a próxima década, a saber, a ligação da política de coesão territorial à política macroeconómica da União Europeia e, sobretudo, às suas regras orçamentais. Ou, dito de outro modo, a política de coesão territorial como variável endógena da política orçamental e da gestão macroeconómica da União, qual montanha russa subindo e descendo ao sabor dos resultados orçamentais de cada Estado membro e das penalizações da União. Sendo a política de coesão territorial uma política de médio e longo prazo, ela não se compadece com uma política de “para-arranca orçamental”, além de que abre o pretexto para uma retórica político-eleitoral oportunística que culpa a União Europeia por tudo o que acontece nesta área. Ou seja, a própria União Europeia deveria estar predisposta para desligar política de coesão e política orçamental, criando para o efeito uma “cláusula de backstop”, ela própria, evidentemente, com regras de condição e resultados.

Esta cláusula de backstop seria especialmente pertinente no caso de Portugal, pois a década que se avizinha apresenta um risco alto em matéria de gestão macroeconómica, a crer nas previsões mais conservadoras para os primeiros anos da década. Neste quadro, acresce, ainda, o peso elevado da dívida pública e privada, a falta de poupança interna e capital próprio para o investimento nacional. Assim, e no âmbito de uma estratégia de desenvolvimento para a década, creio que não devemos passar ao lado de matérias horizontais que são fundamentais para a coesão territorial:

- Que cobertura digital do país e do interior queremos para o final da década?

- Que “país do interior” queremos nós no final da década?

- Que horizonte fiscal queremos nós para o final da década?

- Que regime de incentivos queremos para o federalismo municipal no final da década?

- Que regime contratual queremos para as redes regionais de ensino superior no final da década?

Porém, para justificar a cláusula de backstop e manter a coesão territorial desligada da restrição macroeconómica, é, igualmente, necessário que mudemos o enfoque da política de valorização do interior. Aqui, o problema não é reconhecer a especificidade do interior ou da baixa densidade, mitigando o problema e pulverizando recursos, mas, antes, reinventar a sua articulação virtuosa com o litoral e, de igual modo, redescobrir o lado virtuoso da baixa densidade de que a atividade turística, felizmente, já começou a tirar vantagem e partido. Quer dizer, para desligar a coesão da restrição macroeconómica é fundamental não deixar enquistar a coesão territorial numa política reativa de origem clientelar e de base local ou regional, sob pena de fazer abortar a própria filosofia política que inspirou, inicialmente, a cláusula de backstop. Este aviso é solene, e significa que, também aqui, não há almoços grátis.

No sentido que enunciámos, o turismo é, apenas, a atividade motora que abre o interior ao mundo, mas outras atividades deverão ser atraídas para essa nova constelação e economia de aglomeração. Dou aqui alguns exemplos de atividades que importará animar e seguir de perto: a promoção de residências secundárias devidamente enquadradas nas nossas cidades, vilas e aldeias, a disponibilidade de residências de trânsito para os nómadas digitais e outras profissões livres associadas, a disponibilidade de cuidados ambulatórios e serviços polivalentes, as redes locais de abastecimento alimentar enquadradas nas estruturas ecológicas municipais e em parques agroecológicos intermunicipais, as agriculturas de nicho promovidas como representação e marca dos lugares, os parques biológicos e ambientais como lugares privilegiados de visitação ecoturística, a promoção das quintas pedagógicas e terapêuticas como lugares de reabilitação e trabalho voluntário, a recuperação da agro-silvo-pastorícia do montado como lugar simbólico da vida campestre, os centros de ecologia funcional como lugares de reabilitação de solos, habitats, paisagens e ecossistemas, finalmente, os campos de férias, trabalho e aventura promovidos como lugares de intercâmbio juvenil e estudantil ao longo de todo o ano.

Nota Final

Fazer de tudo isto uma nova constelação e uma pequena economia de aglomeração, promover os territórios como lugares de marca identitária, enfim, mostrar que a coesão territorial pode e deve ser competitiva. Se assim for, a cláusula de backstop terá cumprido perfeitamente a sua função, isto é, não terá sido praticamente necessária.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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