Gil Vicente, uma época inteira “jogada a feijões”

Sem pontuar, (praticamente) sem receitas e com a ténue luz da subida no horizonte, o Gil Vicente deambula pelo Campeonato de Portugal. Jogadores e adeptos esperam que o clube consiga renascer das cinzas, já a partir de 2019, ano que marcará o regresso ao escalão principal.

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Momento de união no encontro frente ao Vilaverdense André Rodrigues / PÚBLICO
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Fotografias da subida em 2011 André Rodrigues / PÚBLICO
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Jovem adepto segura cachecol dos "galos" André Rodrigues / PÚBLICO
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Estádio está repleto de conquistas antigas André Rodrigues / PÚBLICO
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Jogo contra o Vilaverdense teve cerca de 500 adeptos nas bancadas André Rodrigues / PÚBLICO
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"Galos" venceram por 2-0 frente à formação de Vila Verde André Rodrigues / PÚBLICO
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Equipa treina diariamente André Rodrigues / PÚBLICO
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André Rodrigues / PÚBLICO
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André Rodrigues / PÚBLICO
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Massagista presta assistência a jogador do Gil André Rodrigues / PÚBLICO

Chove torrencialmente no Desportivo de Carapeços, em Barcelos. Apesar da intempérie, os jogadores do Gil Vicente correm energicamente atrás da bola. A exigência é máxima, mesmo que o próximo jogo não tenha importância na tabela classificativa. Nem o próximo nem qualquer um disputado pelos minhotos na presente temporada. Na cidade olha-se para o futuro, com o passado áureo do clube ainda bem fresco na memória dos adeptos.

“É uma situação atípica, descontextualizada daquilo que é a alta competição”, explica ao PÚBLICO Nandinho, treinador dos minhotos. Em 2018-19, o Gil Vicente Futebol Clube disputa o Campeonato de Portugal (3ª divisão) e, apesar de já terem amealhado 11 triunfos, são “últimos” na classificação com zero pontos. A explicação para este imbróglio remete a 2006, ano em que o Gil Vicente foi despromovido na secretaria devido a uma suposta irregularidade na inscrição de Mateus, jogador angolano que representava os “galos” e alinha, actualmente, pelo Boavista.

Mais de uma década após a decisão que colocou o Gil Vicente na II Liga, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) deu razão ao clube, ordenando a subida imediata dos barcelenses. Porém, os regulamentos da entidade desportiva mandam que se dispute uma temporada antes da aplicação efectiva de qualquer decisão. Tomou-se a decisão de que o Gil Vicente, despromovido ao terceiro escalão em 2017-18, jogasse o Campeonato de Portugal sem pontuar, visto que já tem a subida garantida na próxima época (2019-20).

Motivação não é problema, garantem jogadores

Para além de o Gil Vicente não somar qualquer ponto, as formações que visitam o Estádio Municipal de Barcelos sabem que, para elas, o jogo não fará diferença alguma na classificação. “Sinto que há sempre mudanças nas equipas adversárias, dois ou três elementos. Compreendo a posição dos técnicos, são jogos que não contam a nível de pontos, mas os castigos já são válidos. Daí essa cautela”, explica Nandinho.

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Nandinho assume "sonho" de treinar o Gil Vicente na primeira divisão André Rodrigues / PÚBLICO

À primeira vista, o factor motivacional aparenta ser um dos principais problemas mas, de acordo com os jogadores, esta época representa uma excelente oportunidade para desenvolver capacidades. “Não me sinto afectado pelo facto de não pontuarmos. Simplesmente, vejo este ano como uma oportunidade para ganhar experiência. “Sei que tenho qualidade para estar na I Liga. Quero mostrar o meu futebol e o que sou capaz de fazer”, garante Juan, médio colombiano de 19 anos e um dos jogadores que mais tem contribuído para o bom momento de forma do clube.

Impressionar Nandinho e ficar na equipa principal é o combustível que alimenta as pernas e os corações de um plantel composto por cinco diferentes nacionalidades. Quem não conseguir dar o salto já na próxima temporada será absorvido pela futura equipa sub-23 dos gilistas, que pretendem competir na Liga Revelação a partir de 2019-20.

O capitão, Rui Faria, foi um dos jovens afectados em 2006, quando os gilistas encerraram os escalões de formação no seguimento da despromoção: “Fui um dos afectados pelo ‘caso Mateus’. Era iniciado e fiquei um ano sem competir”. Com 26 anos, Rui é o jogador mais velho do plantel e, devido à experiência, deverá ser aposta de Nandinho na I Liga. “Temos imposto o nosso futebol e acho que os adeptos têm demonstrado a sua força junto de nós. Tenho a certeza o estádio voltará a encher”, afirma o defesa.

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Jogadores festejam golo contra o Vilaverdense André Rodrigues / PÚBLICO

“Indemnização da Federação é importantíssima”

A equipa que o emblema minhoto apresenta no Campeonato de Portugal é composta, quase na totalidade, por jovens da formação. O Gil Vicente tem claramente uma lacuna de maturidade a corrigir. Nenhum dos 26 jogadores do plantel barcelense tem experiência na I Liga, algo que preocupa a direcção dos minhotos, que tenciona construir uma nova formação de raiz.

“É normal [que existam muitas contratações]. Apesar da qualidade falta-lhes maturidade e experiência. Não tenho dúvidas que a maior parte do plantel da próxima temporada será nova”, confirma Nandinho, que não esconde “o sonho” de comandar os gilistas na divisão principal do futebol nacional. 

A capacidade financeira do clube no mercado de Verão de 2019 será o aspecto fundamental que permitirá — ou não — as contratações necessárias. Depois da decisão que deu razão ao Gil Vicente no “caso Mateus”, os gilistas esperam pela indemnização da FPF que irá compensar as perdas financeiras que o clube minhoto experienciou nas cinco épocas que demorou a carimbar o regresso ao principal escalão.

Tiago Lenho, director desportivo dos “galos”, assume que esta terá algum peso na preparação financeira da próxima temporada: “A indemnização da Federação é importantíssima. A descida em 2006 teve um impacto enorme no clube e a verdade é que o Gil passou por sérias dificuldades. Espero que exista sensibilidade e que a FPF seja o mais justa possível”.

Segundo o director desportivo, os jogadores têm uma oportunidade única de saltarem vários degraus e subirem directamente para a equipa que actuará no principal escalão. “São jovens e têm uma oportunidade que, vários deles, não voltarão a ter. Muitos jogadores esperam anos por uma hipótese de jogarem na primeira divisão”.

“No fundo, a cidade ainda gosta do Gil Vicente”

André Amaral, de 26 anos, é uma das cerca de 500 pessoas que se deslocou até ao Municipal de Barcelos para assistir ao encontro referente à 13.ª jornada do Campeonato de Portugal. O operário têxtil, para além de não falhar qualquer jogo em casa, assiste aos jogos do Gil Vicente fora de portas e assume ao PÚBLICO que é difícil ver o clube nesta situação: “É triste. O clube merece melhor e a cidade também. Mas compreendo que algo pontual e que temos de preparar o futuro e esperar que este seja melhor”.

Quando questionado sobre se a ligação entre a cidade minhota e o clube foi estilhaçada após a dupla descida de divisão, André assume que os barcelenses já não estão tão disponíveis para apoiar o clube, mas acha que, com o Gil Vicente na Liga, tudo será diferente: “Acho que, no fundo, a cidade ainda gosta do Gil Vicente e isso é o mais importante”.

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Clube sofreu queda abrupta de espectadores, desde a descida da I Liga André Rodrigues / PÚBLICO

No interior do estádio nota-se, pelos pequenos pormenores, que o encontro não é de gala: o marcador electrónico está desligado, bem como as luzes da bancada superior. Os holofotes mostram reticência em ser ligados. O bombo da claque gilista, porém, é incansável e electrifica um estádio com capacidade para mais de 12 mil espectadores. Ao instrumento juntam-se, aproximadamente, duas dezenas de vozes adolescentes. O líder, Bruno Santos, assume ao PÚBLICO a dificuldade que sente em cativar jovens barcelenses para assistirem às partidas: “Nesta divisão, não contando pontos, torna-se complicado trazer pessoal para o estádio. É neste momento que devíamos estar unidos. Sei que para o ano não vai faltar malta a pedir bilhetes”.

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Claque gilista é composta por aproximadamente 30 elementos André Rodrigues / PÚBLICO

A bancada de imprensa está praticamente deserta. Com a caída para a terceira divisão, os jornais desportivos deixaram de acompanhar as partidas do Gil Vicente, que recebem cobertura exclusiva dos órgãos de comunicação locais. Alberto Monteiro, colaborador do semanário Barcelos Popular, acompanha o Gil Vicente há vários anos e deixa crítica à forma como o presidente, Francisco Dias da Silva, resolveu o imbróglio judicial com o Belenenses: “Acho que o acordo não foi correcto. O ex-presidente [António Fiúza] esteve estes anos todos a lutar, não se devia ceder e jogar ‘a feijões’ este ano. Vai ser muito complicado o Gil Vicente ficar na Liga e, se cair na segunda divisão novamente, vai passar muitas dificuldades”.

Alberto refere-se ao acordo celebrado entre o clube de Barcelos e o Belenenses, principais implicados no “caso Mateus”. A trégua foi subscrita por Francisco Dias da Silva, presidente do Gil, e por Rui Pedro Soares, presidente da SAD do emblema de Belém. O colaborador do jornal — e jogador na equipa de veteranos — não se recorda de uma situação tão complicada nas “mais de três décadas” em que acompanha o Gil Vicente.

O jogo acabaria por resultar na vitória dos barcelenses sobre o Vilaverdense por 2-0. No final do encontro, Nélito, treinador da formação de Vila Verde, explicou ao PÚBLICO como é visitar o Gil Vicente: “Para nós é complicado. Tive de dar a entender aos jogadores que o facto de o jogo não ter impacto na tabela classificativa não podia significar relaxamento”.

O técnico do Vilaverdense confessa compreender as declarações de Nandinho, quando este refere que as equipas utilizam o Gil Vicente como um clube seguro para promover experimentações a nível táctico: “Pessoalmente, não tive oportunidade de fazer mudanças, mas compreendo quem o faça. É lógico que os treinadores aproveitem esta oportunidade”.

Da glória ao desespero: Lino esteve sempre lá

Os holofotes do estádio desligam-se e os jogadores vão abandonando a garagem nas suas viaturas mas Lino ainda deambula pelos corredores. Massagista no clube há 32 anos, o barcelense acompanhou a montanha-russa de emoções — e classificações — do clube: desde um quinto lugar, na época 1999-00, sob o comando de Álvaro Magalhães, até a uma final da Taça da Liga, perdida para o Benfica nos últimos minutos, em 2012.

“Sinto muita mágoa. É quase como se fosse uma travessia no deserto, sabe? Nunca pensei passar aquilo que já passei neste clube. [Depois da descida em 2006] não sabíamos o que nos reservava o futuro. Foi algo que colocou em causa as nossas profissões. Aliás, muitas pessoas até acharam que era melhor recomeçar do zero”.

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Lino presta assistência a um jogador do Gil Vicente durante o treino André Rodrigues / PÚBLICO

Lino revela que o clube apenas se manteve a funcionar graças ao apoio dos “industriais” da cidade que deram a mão ao Gil Vicente. Apesar de compreender a queda de assistências, o massagista garante que os adeptos não se desligaram do Gil Vicente: “As pessoas foram habituadas a ter grandes jogadores e verem um futebol atractivo. Não virem as grandes equipas, a tristeza causada pela situação…os sócios acabam por não vir ao estádio”.

O regresso à I Liga está agendado para Agosto. Da última vez que subiu à I Liga, em 2011, o Benfica fez as honras de dar as boas-vindas ao clube de Barcelos ao primeiro escalão. Os dirigentes gilistas esperam que seja, novamente, um dos “três grandes” a fornecer a ignição — anímica e financeira — que o Gil Vicente desesperadamente anseia.

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