Tsunami na Indonésia e sismo em Lisboa: a política faz a diferença

As consequências dos desastres naturais dependem não só dos caprichos da mãe natureza como das escolhas políticas que se fazem.

Segundo o CRED – Centre for Research on the Epidemiology of Disasters, os desastres naturais mataram nos últimos 20 anos 1,3 milhões de pessoas e causaram perdas superiores a 2908 mil milhões de dólares, um aumento de 68% face às duas décadas anteriores. Apesar de mais fatais, os terramotos e tsunamis são mais raros e representam apenas 9% dos desastres naturais; os restantes 91% são ligados ao clima: inundações, secas, ondas de calor e frio. A quadra natalícia foi marcada por imagens da devastação causada pelo tsunami na Indonésia. Contavam-se, até ontem de manhã, 430 mortos, 159 pessoas desaparecidas, 1500 feridos e 21.991 pessoas deslocadas. Estamos longe dos 168 mil mortos que o tsunami de 2004 fez naquele país, mas a catástrofe deste sábado junta-se aos terramotos de Lombok em agosto e de Sulawesi em setembro (este último seguido de tsunami) para tornar 2018 um ano especialmente trágico para o arquipélago. O número de mortes ligadas a desastres era já em novembro o maior desde 2007.

O consórcio de agências de ajuda internacional Bündnis Entwicklung Hilft publica anualmente o World Risk Report, que calcula o índice de risco para 172 países. Esse índice tem por base um facto muito importante: as consequências dos desastres naturais dependem não só dos caprichos da mãe natureza – a exposição ao risco – como das escolhas políticas que determinam as capacidades de prevenção e reação aos desastres – a vulnerabilidade da sociedade. Em inglês, é comum adoptar-se a distinção entre o risco natural (hazard) e aquele que decorre das características políticas e sociais, como a densidade da população nas zonas costeiras, a qualidade de construção, a pobreza, ou a literacia (risk). Neste relatório, Portugal é o país com o maior índice de risco de entre os considerados “muito baixos”, ou seja, surge no lugar 138, contando do país mais arriscado, a pequena ilha de Vanuatu, para o menos arriscado, o Qatar. A Indonésia, por exemplo, surge em 36.º lugar, ao passo que o país da Europa mais arriscado, a Holanda, está em 65.º lugar. Considerando apenas a parte de risco natural, a Holanda é o 14.º país com maior risco do mundo, o que mostra claramente a importância das dimensões política e social.

Esta posição relativamente simpática esconde um desconforto crescente com a aparente falta de preparação dos serviços de socorro, motivado pela monumental falha do SIRESP nos incêndios de 2017 e piorada com a duvidosa intervenção quando caiu o helicóptero do INEM há duas semanas. Junta-se uma luta recente entre os bombeiros e o governo que levou esta corporação a ameaçar não coordenar as suas ações com a proteção civil.

Não podemos continuar de braços cruzados. O projeto SHARE (Seismic Hazard Harmonization in Europe) produziu recentemente um mapa do risco sísmico em que a região de Lisboa é identificada como uma das de maior risco na Europa. No entanto, não há qualquer estratégia que envolva a população e nos dê instrumentos para reagir em caso de terramoto. Em Pedrogão vimos as consequências de deixar as pessoas à deriva, sem instruções precisas sobre como reagir e para onde ir durante uma catástrofe natural. Em abril de 2018, a Assembleia Municipal de Lisboa teve duas sessões em que debateu o risco sísmico na capital. Segundo o site da câmara municipal, Fernando Medina afirmou no decorrer das reuniões que “não existe uma cultura de segurança e uma cultura interiorizada pelos cidadãos e pelas instituições, relativamente à ação” e prometeu para este mandato uma “ampla campanha de sensibilização e informação sobre os riscos e o que fazer em caso de situações de emergência”.

O economista Andrew Healy e o politólogo Neil Malhotra mostraram num artigo de 2009, com dados sobre os 3141 counties americanos, que os eleitores utilizam o voto para premiar a despesa em reação aos desastres, mas não o que se gasta para preparar os territórios, as construções e as populações para a eventualidade do desastre. Como, segundo os cálculos dos autores, cada dólar gasto em preparação permite poupar 15 em prejuízos, os autores apelidam os eleitores de míopes. Portanto, ou as eleitoras e eleitores de Lisboa são especialmente clarividentes e estão disponíveis para utilizar o seu voto em 2021 para forçar Fernando Medina a agir, ou o presidente da câmara está disposto a investir numa política que não lhe traz votos, ou arriscamo-nos a que estas duas reuniões da Assembleia Municipal fiquem para a história das promessas vagas. A ver vamos.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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