À quarta mensagem, Costa reinventa-se

A prudência tomou o lugar do optimismo. O cor-de-rosa esbateu-se. A cautela falou mais alto.

A ideia de que o primeiro-ministro português é um optimista que vê sempre o copo meio cheio e que tende a desvalorizar o que corre mal está instalada desde que Marcelo Rebelo de Sousa reparou, no Porto, que Costa tem um “optimismo crónico e às vezes ligeiramente irritante”.

Foi em Maio de 2016, mas o discurso dá jeito à oposição para pintar a imagem de um governante desfasado da realidade. E, por isso, Assunção Cristas vai repetindo que António Costa “vive no país das maravilhas”, Nuno Melo aproveita para comparar o congresso do PS à Disneylândia e o PSD diz que o discurso de Costa se transformou “num conjunto de fantasias” sem “adesão à realidade”.

Na última mensagem de Natal, anteontem, algo que já vinha sofrendo uma mutação mudou definitivamente e foi possível ouvir António Costa dizer que ele não se ilude e nós também não podemos iludir-nos com os números. “Não desvalorizo o muito que em conjunto já conseguimos, nem ignoro o que temos e podemos continuar a fazer para termos um país mais justo com mais crescimento, melhor emprego e maior igualdade.”

O primeiro-ministro apresentou-nos a sua versão mais ponderada, diferente do chefe de Governo que um ano antes, em Dezembro de 2017 e no rescaldo de um ano terrível, se mostrava maravilhado com os resultados da economia do país. "Libertámo-nos da austeridade e conquistámos a credibilidade. Chegou o tempo de vencer os bloqueios ao nosso desenvolvimento", dizia na mensagem de Natal. “A verdade é que este ano vamos ter o maior crescimento económico desde o início do século, que as empresas já criaram 242 mil novos postos de trabalho, que a pobreza e a desigualdade diminuíram e que o país cumpriu as metas orçamentais, registando o défice mais baixo da nossa democracia e assegurando a saída do Procedimento por Défices Excessivos”, acrescentava.

Antes, em 2015, a confiança também era evidente. A "geringonça" de António Costa funcionava e inspirava a esperança que, tempos antes, Pedro Passos Coelho não conseguia transmitir: "O caminho que temos pela frente não será fácil, enfrentamos enormes desafios e teremos muitos obstáculos a ultrapassar, mas estou confiante de que os vamos superar."

Agora, a prudência parece ter tomado o lugar do optimismo. O cor-de-rosa esbateu-se e a ponderação falou mais alto. António Costa vestiu o fato da cautela, mais ao estilo de Passos Coelho que, ainda que esteja fora da política activa, era o líder do partido mais votado nas eleições de 2015. Quero com isto registar, apenas e apesar de tudo, que foi a sua mensagem, que na altura parecia esgotada e pessimista por já não dar esperança a ninguém, que convenceu mais portugueses a darem-lhe o voto. 

Mas o que mudou, entretanto, para que o discurso de António Costa se tornasse mais cauteloso? Para termos o primeiro-ministro a reinventar-se, alertando para os "riscos de retrocesso"? Teremos de nos preparar para alguma eventualidade? Ou estará António Costa — o homem que dirige a "geringonça" — a falar ao ouvido dos eleitores mais próximos do centro-direita, apresentando-se como um político ponderado, credível, incapaz de entrar em aventuras e merecedor da sua confiança e do seu voto?

"Os desafios são grandes, aliciantes e mobilizadores", disse António Costa na terça-feira. O caminho até à maioria absoluta também.

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